Profissionais brasileiros das áreas da virologia e da infectologia acompanham com atenção a possível descoberta de mais uma variante do coronavírus. O estudo, divulgado nesta quinta (29), ainda não foi publicado em periódico revisado por pares.
A equipe internacional de cientistas que rastreia o vírus por meio de suas mutações genéticas descreveu a disseminação da variante, identificada pelo acrônimo 20A.EU1, em um artigo que será publicado nesta quinta-feira (29). A nova cepa já seria responsável por mais de 80% dos casos no Reino Unido.
O estudo sugere que pessoas que voltaram de férias na Espanha desempenharam um papel fundamental na transmissão do vírus pela Europa. Essa é uma possibilidade que levanta indagações sobre se a segunda onda que está varrendo o continente poderia ter sido reduzida com uma melhor triagem em aeroportos e outros centros de transporte.
Em entrevista ao Financial Times, a geneticista da Universidade de Basileia (Suíça) e líder do estudo, Emma Hodcroft, relatou que a partir da disseminação da 20A.EU1, pareceu claro que as medidas de prevenção contra o coronavírus em vigor não foram suficientes para interromper a transmissão das variantes introduzidas durante o verão.
O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), Fernando Rosado Spilki, que também é professor na Universidade Feevale, relata conhecer alguns integrantes da equipe que realizou o estudo e avalia positivamente o trabalho.
— Como diz o próprio estudo, só o tempo e uma série de análises complementares, a medida que se acompanhará a disseminação desta nova variante, é que se saberá, de fato, se ela tem potencial de se espalhar mais ou não — ressalta Spilki.
Segundo o presidente da SBV, a contenção de uma segunda onda é muito delicada por conta da economia, do cansaço individual e coletivo das pessoas em relação a questões necessárias de isolamento.
— Precisamos de mais tempo para entender se, realmente, esta ou outras variantes do vírus estão relacionadas com este incremento no número de casos que vêm ocorrendo na segunda onda ou está relacionado com as dificuldades no controle que nós temos neste momento.
A nova variante do coronavírus teria surgido entre trabalhadores no nordeste da Espanha em junho. De acordo com as informações preliminares, ela se espalhou rapidamente por grande parte da Europa desde o verão e seria a responsável pela maioria dos novos casos de Covid-19 em diferentes países do continente.
O presidente da SBV lembra que em outra pandemia, a gripe espanhola de 1918, ocorreu segunda onda em alguns locais com maior dimensão do que a primeira.
— Pode até ser que uma variante ou outra tenha um potencial maior para disseminação. Mas não, necessariamente isso explica, por exemplo, por que um país tem mais casos do que outro ou por que, por exemplo, a segunda onda na Europa está tendo um número de casos mais alto. Muito provavelmente isso não está relacionado com a genética do vírus, mas sim com o manejo de como estão sendo feitas as estratégias de prevenção — aponta Spilki, que é médico veterinário, doutor em Genética e Biologia Molecular na área de Microbiologia e atua em projetos nas áreas de virologia animal, humana e ambiental.
Dúvidas sobre a segunda infecção
Spilki também coordena no Brasil a Rede Corona-ômica, uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), Finep e CNPq, que reúne 14 universidades e centros de pesquisa brasileiros para o sequenciamento do vírus. Ele alerta para a possibilidade de uma segunda infecção com outra variante do vírus.
— O que estamos vendo é que o vírus já tem diversas variantes reportadas. Nos estudos que estão sendo realizados, uma pessoa que se infecta com uma variante pode depois se infectar com outra variante do vírus — destaca.
Para o infectologista Alexandre Zavascki, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consultor para assuntos de covid-19 na Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), o estudo traz informações importantes, mas ainda pode ser considerado apenas "um achado", pois não se sabe qual o real impacto desta nova cepa e se ela, realmente, está sendo responsável pelo aumento dos casos na Europa.
Zavascki também pondera sobre a questão desta variante atingir quem já teve covid-19, pois ainda não se sabe quanto tempo dura a imunidade de alguém que já contraiu a doença. O estudo não é conclusivo neste aspecto.