Com a realização bem-sucedida do primeiro transplante autólogo de medula óssea, o Hospital Mãe de Deus (HMD), em Porto Alegre, ganha autonomia e se habilita para oferecer atenção mais completa a pacientes oncológicos que necessitam da intervenção, disponível também em outras instituições da cidade. O homem de 52 anos, morador de Santa Catarina, que sofre de mieloma múltiplo (tipo de câncer do sistema sanguíneo), foi transplantado em setembro, passa bem e está dando continuidade ao tratamento.
O transplante autólogo, em que células-tronco do doente são retiradas e preservadas fora do organismo, é indicado também para alguns casos de leucemia, linfomas e tumores germinativos (como os de testículos). É uma terapia complexa que exige equipe multidisciplinar e disponibilidade de leito para internação, e não se trata de uma cirurgia: todas as etapas são realizadas por via venosa.
Marcelo Capra, hematologista do HMD, afirma que, em resumo, o transplante autólogo de medula óssea corresponde a uma fase do tratamento em que se aplica uma dose mais elevada de quimioterapia. Se essa dose fosse administrada normalmente, poderia lesar de forma permanente as células-tronco, colocando a vida do paciente em risco. O que se faz, então, é retirar células-tronco (responsáveis por dar origem a todos os componentes do sangue) do corpo, armazená-las e, após a quimioterapia, devolvê-las à corrente sanguínea.
— Você "esconde" as células-tronco para preservá-las. Assim, evita-se que a quimioterapia mate essas células, que depois vão voltar para dentro dos ossos — explica Capra.
Antes do procedimento, é preciso aumentar o número de células-tronco circulando. Um equipamento filtra o sangue, permitindo que se removam apenas componentes selecionados (aférese). Essa amostra "especial" de sangue com células-tronco, com volume aproximado de 500 mililitros, é congelada ou refrigerada.
O paciente passa, então, pela quimioterapia intensiva. Cerca de 24 horas depois, o organismo recebe de volta a porção de sangue que havia sido extraída. É como transfundir uma bolsa de sangue comum, com duração de 20 a 30 minutos.
— Quando recolocadas na corrente sanguínea, as células-tronco "sabem" que o lugar delas é dentro dos ossos, fixando-se nos pequenos orifícios (a superfície do osso é porosa) e voltando a produzir sangue — descreve Capra.
Em um período de 10 a 14 dias, os médicos conseguem verificar se houve a "pega", ou seja, se o paciente voltou a produzir sangue normalmente, depois de os quimioterápicos terem destruído a "fábrica" produtora. O doente, com o sistema imunológico debilitado, permanece internado, em isolamento, para prevenir infecções. Os níveis de glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas, que estavam em queda livre em decorrência da aplicação das drogas, tendem a subir. Quando os exames apontam que as contagens se normalizaram, o paciente pode voltar para casa.
Para o paciente de Santa Catarina, o transplante autólogo foi um estágio do tratamento, que terá continuidade com doses baixas de quimioterapia. Em outras situações, essa intervenção representa o final.
— No caso do mieloma múltiplo, o transplante autólogo de medula óssea tem melhorado muito as perspectivas — comenta Capra.