"Não ceda ao medo, ao fracasso, à doença! Você é forte! Acredite!", incentivava a mensagem recebida por um paciente de 53 anos, internado havia 50 dias no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, recuperando-se da covid-19. "Tenha a força de um leão destemido porque cada dia é um novo aprendizado e um novo dia para recomeçar. Vai superar tudo isso e em breve estará ao lado das pessoas que ama. O suor da batalha tempera o sabor da vitória! Siga firme!"
As frases impressas sobre um fundo colorido emocionaram o destinatário:
— Me fortaleceu receber a carta de quem nem me conhece. Gostaria de retribuir e escrever também.
Hábito quase esquecido em um cotidiano cada vez mais digital, o envio de correspondências em papel foi a maneira viável e segura encontrada por funcionários da 4all, hub de tecnologia formado por oito empresas sediado na Capital, para tentar aplacar a solidão imposta aos infectados pelo coronavírus.
Como as visitas em hospitais são proibidas, esses pacientes passam longos períodos em isolamento, sem contato presencial com familiares e amigos, interagindo apenas com os profissionais de saúde, que trabalham completamente cobertos por equipamentos de proteção individual (EPIs).
A ideia dos colaboradores da 4all amadureceu ao longo do tempo de pandemia, por meio do compartilhamento de sugestões e de reuniões online — começaram pensando em mandar mensagens para o WhatsApp dos enfermeiros, que as transmitiriam aos doentes, até se decidirem pelo formato final.
Por intermédio da enfermeira Nára Azeredo, atualmente ligada ao Serviço de Cuidados Paliativos depois de longa carreira na terapia intensiva, o projeto pôde ser viabilizado, com o aval do setor de controle de infecção.
Na última quarta-feira (16), mais de 50 correspondências — digitadas ou escritas à mão — foram levadas até o hospital, junto de mimos para os profissionais: gérberas e astromélias amarelas e chocolates. Rosélia Bernardes, coordenadora administrativa da 4all, concebeu a ideia inicial e participou da entrega.
— Nos sentimos uma gotinha d'água fazendo a diferença. Queríamos fazer as pessoas que estão internadas enxergarem um pouco de esperança. Acho que elas não sabem o quanto a população está torcendo por elas — comenta Rosélia, que também contou com a participação das sobrinhas contribuindo com desenhos e recados de otimismo.
Nos sentimos uma gotinha d'água fazendo a diferença. Queríamos fazer as pessoas que estão internadas enxergarem um pouco de esperança. Acho que elas não sabem o quanto a população está torcendo por elas.
ROSÉLIA BERNARDES
Coordenadora administrativa
De posse de conteúdo tão especial, Marcelo de Campos, enfermeiro e assistente de coordenação da Enfermagem do CTI, disparou mensagens para a equipe, orientando que as cartas passassem a ser encaminhadas aos pacientes lúcidos, em condições de ler ou ouvir os textos.
As cartas são distribuídas entre o CTI exclusivo para casos de covid-19 e também no CTI geral, para onde são transferidos muitos dos doentes em recuperação da infecção por coronavírus que continuam precisando de cuidados intensivos.
— Todas as iniciativas que favoreçam a recuperação e a sensação de que há vida após a covid-19 são válidas, dão motivação e força para o paciente continuar lutando. Tem paciente que se sente só, fica depressivo, o que dificulta o engajamento no tratamento — observa Marcelo.
No mesmo dia em que recepcionou os visitantes, a enfermeira intensivista Rafaela Charão de Almeida deu início à distribuição das missivas. Para uma senhora de 71 anos que enfrentava o período pós-operatório da retirada de um tumor no pulmão, Rafaela leu o seguinte recado: "Para uma vencedora: fique boa logo, guerreira! Logo você vai sair do hospital e poder contar a história de que venceu mais essa! Tua família espera para te cuidar e encher de abraços". A idosa pediu que o escrito fosse afixado na parede.
— Que emocionante. Que bonito! Gostaria de ver essas pessoas — disse a paciente à enfermeira. — Posso voltar aqui para dar um presente para quem escreveu? — questionou.
Rafaela conta também ter se beneficiado da iniciativa:
— Afeto nunca é demais. Estamos há seis meses em função da pandemia. Tem pacientes que ficam um mês, dois meses conosco e não podem ver suas famílias. Teve aquela explosão de carinho no início da pandemia, depois foi reduzindo, o que é normal. Quando alguém retoma, é legal.