Vem de um biólogo a sugestão para que praças e parques sejam mais frequentados, em nome da saúde física e mental, apesar da ameaça do coronavírus, que tem restringido e desencorajado a ocupação de espaços públicos. Professor e pesquisador do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Demetrio Luis Guadagnin publicou o artigo “Áreas verdes e o convívio social seguro durante a pandemia” no Jornal da Universidade, vinculado à instituição.
Como ponto central de sua argumentação, Guadagnin sustenta que manejar a circulação adequada é uma medida mais efetiva do que proibir por completo o acesso. Some-se a isso a forma “fundamentalista”, nas palavras do docente, com que o Brasil vem tratando a pandemia. Existem, na sua opinião, falhas na comunicação entre autoridades, especialistas da saúde e o público.
— É uma abordagem muito baseada em mantras. As pessoas ficam repetindo as mesmas coisas, como “fique em casa” e “use máscara”, sem refletir. A consequência disso é que acabam tomando atitudes equivocadas e chegando a conclusões equivocadas — comenta o biólogo.
“O ar livre dispersa a carga viral e expõe as partículas à desestabilização pela radiação UV, vento, umidade e outros fatores. A maioria dos casos conhecidos de infecção acontece pela convivência em ambientes familiares ou de trabalho”, argumenta o autor do texto. O convívio social em áreas externas, especialmente nesses redutos verdes, ressalta, é ideal para combater os efeitos psicológicos negativos da pandemia — e a necessidade do corpo de exposição ao sol. A opção é viável se forem mantidas as regras de distanciamento e proteção individual.
— Somos animais sociais, precisamos de interação. Uma forma segura de se realizar essa interação é nos ambientes externos. Claro que isso tem que ser feito com alguns cuidados, mas é mais fácil tomar esses cuidados num ambiente externo do que em um restaurante — diz Guadagnin.
Atualmente, em Porto Alegre, estão fechados para pedestres e ciclistas, desde o início de julho, a Orla Moacyr Scliar e os parques Germânia, Maurício Sirotsky Sobrinho (Harmonia), Chico Mendes e Gabriel Knijnik. Nos demais parques e praças, a circulação e a prática de exercícios são permitidas pela prefeitura, que salienta a importância de os frequentadores evitarem aglomerações.
Marcelo Nascimento, comandante da Guarda Municipal, explica que a corporação mantém o mesmo modo de funcionamento desde o início da pandemia: os agentes percorrem a cidade e intervêm quando localizam grupos numerosos ou menores muito perto uns dos outros.
— Nosso inimigo não é a população. Optamos por orientar, agir de forma preventiva, mostrar o perigo das aglomerações e a importância do distanciamento. Acreditamos que tem sido positivo. Quando a população tem uma abordagem educada, acaba acatando as orientações — explica Nascimento.
Mesmo com as recentes e crescentes flexibilizações em setores como o de serviços, permanece a recomendação para que idosos (idade a partir de 60 anos) permaneçam em casa, saindo apenas para o essencial. Multas são aplicadas apenas como último recurso, segundo o comandante.
O pesquisador da UFRGS defende que a diversidade da população seja contemplada nas tomadas de decisão. Os indivíduos não compartilham dos mesmos interesses, ele argumenta:
— Temos que abrir todos os lugares para que a pessoa consiga achar o lugar que a satisfaz. Quem não se sente à vontade de caminhar na rua (devido ao risco de sofrer violência) tem que poder caminhar nas praças. Tem quem se sinta à vontade na área verde do condomínio. As necessidades espirituais e psíquicas são diferentes.
Questionado sobre o risco de uma iniciativa salutar se transformar em possível convite à desobediência e à desordem massivas, capazes de gerar aglomerações e elevar o risco de infecção, o professor aposta em mudanças nas formas de diálogo para educar os frequentadores.
— É preciso valorizar a inteligência das pessoas. Não diga “não saia de casa”, diga “se for sair, prefira...”. O mais importante é se manter dentro da sua “bolha”. Os pais formam uma “bolha” com seus filhos, um professor forma uma “bolha” com seus alunos e não vai à sala dos professores conversar e tomar cafezinho — exemplifica Guadagnin. — A alternativa a isso é a proibição, que as pessoas não vão obedecer. Há uma falsa confiança na mania brasileira de proibir. Não é efetivo, as pessoas não respeitam — complementa.
Infectologista defende o bom senso
Médico infectologista, Marcelo Carneiro, membro da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia, acredita que tudo deve ser pautado pelo bom senso. Os decretos que têm regrado a vida dos gaúchos, nos níveis municipais e estadual, apresentam incoerências, entende Carneiro. É preciso, portanto, prezar pelo básico. Não é proibido ir até o parque, deixar o filho correr e andar de balanço — mas por pouco tempo e sem descuidar da higiene, limpando as mãos da criança com um lenço umedecido e, na sequência, álcool gel. As “voltinhas” devem ser objetivas, curtas, e não deslocamentos em que a família leva uma série de apetrechos para um piquenique, aproveitando para convidar amigos distantes há meses.
— Pode ir ao parque, mas evite encontros. Não é para levar cadeira, tomar banho de sol, passar o dia, ficar deitado na grama. Não vejo problema em estar no parque sem aglomeração de grupos — observa o infectologista, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). — Se as pessoas tivessem um comportamento mais regrado, talvez não tivéssemos muitas das limitações que temos hoje.