Nesta segunda-feira (24), a comunidade científica mundial deparou com mais uma novidade em relação ao coronavírus. Desta vez, um homem de 33 anos foi anunciado como o primeiro caso demonstrado de reinfecção pelo vírus no mundo. A descoberta foi feita por estudiosos da Universidade de Hong Kong que afirmaram que o paciente “aparentemente saudável” teve o segundo caso de infecção pela doença quatro meses e meio após seu primeiro episódio de contágio.
No Brasil, um caso de reinfecção foi divulgado no início de agosto e é alvo de estudos na Universidade de São Paulo (USP). Uma técnica de enfermagem de 24 anos voltou a apresentar sintomas da covid-19 pouco mais de um mês após ter testado positivo em um exame RT-PCR, que identificou o vírus sars-cov-2 no seu organismo em 13 de maio e, depois, em 27 de junho. Nesta terça-feira, a imprensa local disse que já existem casos também na Holanda e na Bélgica.
Por que, então, o caso de Hong Kong ganhou relevância internacional? GaúchaZH teve acesso ao estudo, aceito para publicação na Clinical Infectious Diseases, e conversou com Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), e Luciano Goldani, professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para tirar outras dúvidas sobre o assunto.
O que tem de particular no paciente de Hong Kong?
Uma das particularidades do estudo de Hong Kong é que os pesquisadores analisaram o código genético do vírus nas duas ocasiões em que o paciente foi infectado. Com isso, mostrou o estudo, foi possível constatar que a segunda versão do coronavírus adquirido pelo paciente tinha características mais próximas da doença que foi predominante na Europa entre os meses de julho e agosto. Vale destacar que o homem havia voltado de uma viagem à Espanha, pouco antes do segundo episódio. Na primeira infecção – diagnosticada em 26 de março – o paciente teve apenas sintomas leves, já na reinfecção, detectada em 15 de agosto, ele se mostrou assintomático.
Por meio de comunicado, os pesquisadores da universidade afirmaram que a covid-19 tem poder de persistência:
— Nossos resultados sugerem que o SARS-CoV-2 pode persistir na população, como é o caso de outros coronavírus responsáveis por resfriados comuns, mesmo que os pacientes tenham adquirido imunidade. Como a imunidade pode não durar muito após uma infecção, a vacinação deve ser considerada até mesmo para pessoas que já foram infectadas.
O que sabemos até o momento sobre reinfecção?
"Existem vários relatos, em diversas partes do mundo, de pacientes que foram positivados para a doença uma segunda vez, após terem sido infectados uma primeira vez. Esse caso é diferente, porque os pesquisadores conseguiram sequenciar duas cepas do vírus e compararam. Foi por meio desta análise que observaram que o material genético da primeira versão da doença era diferente do da segunda. Ou seja, eram vírus diferentes. O que se especula, mas não temos como confirmar ainda, é que pacientes que apresentaram sintomas leves da covid-19 ou que foram assintomáticos têm menos anticorpos ou, até mesmo, podem nem ter desenvolvido proteção contra a doença. Quanto mais severo foi o quadro, teoricamente, seriam mais robustas e de maior permanência a proteção. " Luciano Goldani, professor de Infectologia da UFRGS
O que os estudos, de maneira geral, apontam em relação à reinfecção?
"Não existe um consenso, porque não temos tempo para estudar de forma adequada essa situação. Pelos estudos passados, de outras versões do coronavírus, sabe-se que a imunidade a outras variedades de coronavírus não é permanente. No momento, o planeta é um grande tubo de ensaio, infelizmente. Tudo é novo e não temos certeza de muitas coisas. Tudo está no campo da possibilidade e dos indicativos." Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do HCPA
As pessoas que pegaram coronavírus serão reinfectadas?
"Tivemos, aproximadamente, 24 milhões de pessoas infectadas em todo o mundo. Esse foi o primeiro caso reportado e comprovado de reinfecção. Ou seja, até esse momento, é algo raro e, do ponto de vista epidemiológico, não tem muita significância. Contudo, isso nos dá alguns indicativos: o paciente que não apresentou quadro grave da doença pode apresentar baixa quantidade de anticorpo, logo, de imunidade e, para esse público, também não é descartada a necessidade de vacinação. " Luciano Goldani, professor de Infectologia da UFRGS
A reinfecção invalidade a necessidade de vacinação?
"A imunização precisará ser feita para proteger as pessoas das formas mais graves do coronavírus. Qualquer proteção que a vacina der será ótima. O problema é que não saberemos a duração que essa imunização terá, contudo, neste momento, o importante é pensar que, com a vacina, estaremos protegidos contra a forma mais severa da doença." Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do HCPA
O caso deste paciente pode comprometer a ideia da imunidade de rebanho?
"Teoricamente, se continuarmos tendo pessoas se reinfectando e a frequência deste tipo de caso aumentar, pode cair a imunidade de rebanho. Por isso, é importante a gente se imunizar, mas para afirmar que essa condição afetaria a imunidade de rebanho, precisaríamos de mais casos comprovados de reinfecção. Um caso comprovado para 24 milhões é muito pouco. " Luciano Goldani, professor de Infectologia da UFRGS
A reinfecção é uma manifestação da doença mais atenuada ou pode ser mais grave?
"Não temos como fazer qualquer tipo de afirmativa neste momento. Estamos no campo das possibilidades e especulação." Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do HCPA