Aos 70 anos e com histórico de cirurgia cardíaca e acidente vascular cerebral, o aposentado Alceu Rony Ricardo Vitt precisava ser submetido a um novo procedimento cirúrgico. Dessa vez, para tratar um aneurisma de aorta abdominal que monitorava semestralmente, procedimento para o qual precisaria de uma prótese importada. No entanto, com a pandemia de coronavírus, o envio do material, fabricado na Austrália e na Dinamarca, estava demorando mais de seis meses, um prazo muito arriscado para o paciente.
A intervenção só foi possível porque contou com uma solução inédita. Uma prótese foi desenhada especialmente para sua anatomia e fabricada no Brasil, o que cortou prazos e permitiu agilizar o procedimento. Na semana passada, ele realizou a cirurgia.
Como já tinha o diagnóstico da doença, Vitt monitorava o tamanho da dilatação a cada seis meses. No fim de 2019, lembra Fabiani Vitt, filha do aposentado, o exame apontou um aumento significativo no aneurisma. Foi então que os médicos começaram a discutir a intervenção cirúrgica.
— Em janeiro, ele fez a avaliação para a cirurgia e, depois, começou o processo de liberação da prótese, que precisava ser feita sob medida para ele em razão da localização. Então, começou a dificuldade, pois o dispositivo era feito no Exterior — relata Fabiani.
A demora na importação colocaria em risco a vida do paciente também porque poderia acontecer uma mudança na anatomia do aneurisma ao longo do tempo, o que inutilizaria a prótese.
— Próteses que já existem não serviam para a anatomia dele, que tinha um aneurisma complexo. A grande vitória foi a rapidez com que ela foi feita e customizada neste momento de pandemia. Foi importante conseguir no momento crítico em que estamos — explica o médico que realizou a cirurgia, Alexandre Araújo Pereira, que é coordenador do Ambulatório de Doenças Arteriais do Hospital Moinhos de Vento (HMV).
Além do tempo recorde — em menos de 30 dias o dispositivo estava pronto —, a produção nacional possibilitou que o médico acompanhasse todas as etapas, trocando informações diretamente com os engenheiros da Braile Biomédica, empresa situada no Estado de São Paulo.
— Quando mandamos fazer na Europa ou na Austrália, não temos contato com o engenheiro. Como a gente trabalhou junto com a Braile, eles fizeram todas as modificações que eu pedi — conta Pereira, que desenhou o dispositivo com todas as customizações necessárias para o aposentado.
Depois de duas horas e meia de cirurgia na manhã do último dia 21, Vitt teve alta na segunda-feira (27) e se recupera em casa.
— Minha recuperação está boa. Apesar de ser uma cirurgia muito agressiva, estou me sentindo bem — diz.
O papel da prótese
De acordo com o coordenador do Ambulatório de Doenças Arteriais do HMV, a prótese é usada para manter o fluxo sanguíneo e reduzir a pressão dentro do aneurisma. No caso do dispositivo usado no idoso, a produção foi inédita:
— A empresa não tinha produzido, para uso no Brasil, uma prótese com esse desenho, com três fenestras, que são orifícios para a incorporação dos vasos viscerais, de circulação dos rins, fígado e intestino.
Rafael Braile, diretor executivo da Braile Biomédica, explica que uma das grandes vantagens dessa produção nacional é, justamente, encurtar o tempo entre o pedido e a entrega, beneficiando o paciente. Segundo ele, do recebimento do exame até a entrega da endoprótese, são necessários menos de 30 dias.
— Essa doença é uma bomba-relógio. Quanto mais posterga, maior o risco — justifica.
Para produzir o dispositivo, a empresa recebe a angiotomografia do paciente e a leva para a indústria, onde especialistas clínicos criam a prótese com a equipe de engenheiros. Nesse processo, mantêm contato constante com o médico do paciente. Como exige muita precisão, a empresa usa uma impressora 3D para criar a aorta igual à do paciente. Em seguida, implanta-se um protótipo para verificar todos os detalhes de altura do dispositivo. Por fim, a prótese é confeccionada.
O aneurisma
O aneurisma de aorta abdominal é uma dilatação da maior artéria do corpo justamente na altura do abdômen. Pereira destaca que o principal fator de risco não modificável é a genética. O tabagismo também é fator de risco. Conforme o médico, 80% dos pacientes são ou foram fumantes.
— O maior risco é crescer tanto e arrebentar no abdômen. Há uma mortalidade muito alta quando ocorre essa ruptura. Em geral, o risco de isso acontecer é quando a dilatação tem mais de 5 a 5,5 centímetros. A do Alceu tinha 6,6 centímetros — diz Pereira.