"Covid-19 causa AVCs repentinos em jovens adultos, dizem médicos", noticiou a CNN. "Alguns pacientes de coronavírus apresentam sintomas de danos cerebrais", escreveu The New York Times. "Coronavírus relacionado a AVCs em jovens adultos", publicou a rede CBS. Em comum entre essas notícias, além do fato de virem dos Estados Unidos, é a observação de uma possível correlação entre a infecção por coronavírus e o aumento de casos de acidente vascular cerebral (AVC) em jovens adultos.
Profissionais do Mount Sinai Health System, rede hospitalar de Nova York, publicaram um artigo no New England Journal of Medicine alertando para um aumento no número de casos de pessoas com quadro de AVC e idade inferior a 50 anos. Conforme os relatos, em duas semanas (entre março e abril), foram admitidos cinco pacientes com esse perfil. Todos testaram positivo para covid-19.
Para termos de comparação, os médicos destacaram que, normalmente, em um período de duas semanas, nos últimos 12 meses, a média de atendimentos de pessoas com menos de 50 anos com AVC foi de 0,73 em toda a rede.
Epicentro do surgimento da pandemia, a China também teve essa percepção, o que levou pesquisadores a fazerem um trabalho com informações de 214 pacientes de Wuhan. Publicado no Journal of The American Medical Association (Jama), o estudo investigou as manifestações neurológicas da covid-19 e verificou que, desse total, 36,4% apresentaram alterações. Aqueles com quadros mais severos de infecção tiveram mais problemas neurológicos na comparação com os casos mais leves.
As manifestações foram diversas: dor de cabeça, comprometimento do olfato e do paladar, perda de consciência, tontura e até AVC. Ao concluírem o levantamento, os pesquisadores apontaram duas questões cruciais. A primeira serve de alerta para a evolução de problemas neurológicos em pacientes mais graves. Já a segunda reforça a importância de não se descartar a infecção por coronavírus em casos em que só há manifestações neurológicas.
Embora o AVC possa acometer pessoas de qualquer faixa etária, a idade avançada é um fator de risco para desencadeá-lo — assim como pressão alta, diabetes, colesterol alto, obesidade, sublinha Sheila Martins, chefe do Serviço de Neurologia do Hospital Moinhos de Vento (HMV). Dessa forma, as observações feitas lá fora, e que também vistas no nosso contexto, preocupam.
— Normalmente, abaixo dos 50 anos, o percentual de pacientes com AVC é de 10%, mas começamos a ver esse índice aumentar para 19% após a pandemia — diz a médica, acrescentando que a covid-19 também provocou mudanças no protocolo nacional do AVC. Agora, todos os profissionais que atendem pacientes de AVC precisam estar devidamente paramentados, independentemente de o paciente não apresentar sintomas de coronavírus.
Os mecanismos para explicar esse fenômeno ainda não estão claros. Hipóteses dão conta de que o coronavírus provoca a formação de coágulos sanguíneos, o que aumenta os riscos de AVC. Ainda assim, deve levar tempo para se obter informações mais precisas, pois há poucos dados sobre o assunto.
Jennifer Frontera, neurologista do University’s Langone Medical Center, de Nova York, acredita que, possivelmente, os casos de problemas neurológicos associados à covid-19 são subestimados, especialmente por que muitos pacientes estão sedados e em ventilação mecânica.
— Muitas vezes, (os pacientes) estão paralisados, e nós não conseguimos fazer exames neurológicos. Não há imagens suficientes sendo feitas — avaliou, durante entrevista a um portal especializado chamado Neurology Live.
Alerta de sintomas
Recentemente classificada como sintoma de coronavírus pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), dos EUA, a perda de olfato e paladar temporária provocada pelo coronavírus pode estar relacionada com o caminho que o vírus faz.
— Essas são as alterações mais comuns. Ao longo desses meses, temos visto outras manifestações mais graves. Isso aconteceria com a entrada do vírus pelo nariz, viajando pelo nervo olfatório, alcançando o cérebro e atingindo suas estruturas, o que pode ocasionar meningite, encefalite viral, Guillain-Barré — exemplifica Sheila.
Além dos sinais já bem descritos, como tosse, febre e dificuldade para respirar, o próprio AVC poderia ser um sintoma, mesmo que não desacompanhado de indicativos respiratórios.
— Um AVC pode ser primeira manifestação da doença — enfatiza a médica do HMV.
Procure um médico
Se por um lado foi percebida alta no número de casos de AVC em jovens adultos, por outro, após a pandemia, caiu quase pela metade o número de pessoas que procuram emergências hospitalares com suspeita de AVC na Capital, o que também acende o alerta. Sheila nota que somente os casos mais graves estão buscando ajuda médica, enquanto os mais leves permanecem em casa com medo de uma possível contaminação:
— Isso nos preocupa, pois os (casos) leves podem piorar.
Portanto, a recomendação é de não se furtar em procurar um hospital ao sentir qualquer sintoma de AVC. Os mais comuns são perda de força ou dormência, geralmente em uma metade do corpo, dificuldade para falar, problema para enxergar em um olho, nos dois ou na metade do campo de visão, tontura, falta de equilíbrio e dor de cabeça insuportável e súbita. Mesmo que os sinais melhorem, a orientação é procurar atendimento com urgência.