Com a demanda por leitos de UTI aumentando a cada dia, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), uma das principais referências para atendimento a casos de coronavírus no Estado, precisou tomar medidas ainda mais duras. Com 90 dos 93 leitos em uso, a instituição superou 95% de ocupação e chegou ao nível 4 de contingência.
Com isso, novas medidas foram tomadas a partir desta semana. Mais salas do bloco cirúrgico e do centro cirúrgico ambulatorial foram fechadas, com o cancelamento de mais cirurgias – as eletivas já vinham sendo canceladas e, agora, até mesmo as essenciais têm um limite por dia. Além disso, todos os transplantes não urgentes foram suspensos.
O hospital também convocou o corpo clínico para atuação em apoio aos médicos intensivistas, conforme necessidade assistencial. Em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta terça-feira (21), o gerente de risco do hospital, Ricardo Kuchenbecker, disse que o cenário é de gravidade:
- Este patamar da fase avançada pressupõe alguma coisa em torno do final do mês e início de agosto (para exceder a capacidade de atendimento). Os hospitais de referência deixam de ter intensivistas em número suficiente, então outros profissionais estão sendo convocados. Isso é o alerta máximo que a gente gostaria que pudesse ser evitado.
“Escolha de Sofia”
No final da entrevista, Kuchenbecker foi questionado sobre a possibilidade de ter de tomar decisões sobre “quem vai viver e quem vai ser relegado por falta de equipamentos e de leitos”. Em outras palavras, a pergunta se referia ao fato de que existe uma pontuação – definida pelos conselhos federal e regional de Medicina – que decide quem terá prioridade no recebimento de leitos, caso a capacidade de atendimento tenha sido atendida. Para o gerente de risco do HCPA, a cidade está perto de ter de tomar esta decisão:
- Nós estamos muito perto de chegar nesse momento, e o que temos feito como hospital é construído uma instância colegiada, temos dialogado 24 horas com a central de regulação de leitos de Porto Alegre e discutido caso a caso. São “escolhas de Sofia”, como a gente chama. Não fomos treinados para isso; fomos treinados para ajudar pessoas, e não estabelecer prioridades. E essa é uma situação muito, muito, muito crítica. Neste momento, estas escolhas têm implicado em espera maior em termos de horas, na priorização de um caso em relação a outro. Mas é possível chegar a um contexto em que a gente tenha que escolher, e isso ter uma implicação muito clara do ponto de vista do prognóstico das pessoas.
Em grau menor, portanto, o médico revelou que esta escolha já acontece: como a espera é de cerca de 13 horas para um leito em Porto Alegre, os profissionais decidem quais pacientes são prioritários.
- O sistema implica decisões de priorização. Essas decisões de priorização sempre acontecem. A grande questão é que em alguma medida, numa situação que chega perto do limite de utilização dos leitos, é que essa priorização possa implicar em prejuízo para as pessoas em termos do tempo de espera. [...] O que a gente tem feito é conversar e discutir cada um dos casos, de modo que a contextualização possa fazer a diferença e a gente possa errar o mínimo possível sobre quem vem primeiro e quem vem na sequência.
Perguntado sobre a possibilidade de a cidade ver uma situação semelhante a de países como a Itália, Kuchenbecker foi taxativo:
- Esse risco existe e é muito importante deixar claro. Ele existe e é absolutamente previsível, se medidas mais intensas do ponto de vista do distanciamento social não forem adotadas em algumas regiões. O governador tem razão quando diz que o Estado é muito grande e diferente do ponto de vista epidemiológico. Mas nossa preocupação é que algumas regiões, como a Serra e, em especial, a Região Metropolitana, vivem situações muito perto desse limite. Quando se chega num patamar de utilização plena dos leitos, muitas semanas podem ser necessárias para sair de um patamar como esse, porque o sistema começa a apresentar fragilidades: tempos de permanência aumentam, tempos de espera por leitos aumentam, qualidade do cuidado não fica a mesma.
O gerente de risco do HCPA também reforçou a necessidade de municípios da Região Metropolitana adotarem medidas mais duras, além de Porto Alegre.
- Estamos dentro da contingência da Região Metropolitana. São 33 municípios e 4 milhões de pessoas. Se não houver medidas importantes de restrição, Porto Alegre sozinha não vai fazer frente a esse contexto dramático.