O estudo Epicovid19-BR, desenvolvido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e financiado pelo Ministério da Saúde e que mapeia a epidemiologia do coronavírus no Brasil, concluiu as três fases previstas no cronograma original do projeto. Conforme a universidade, trata-se do estudo epidemiológico com maior número de indivíduos testados no mundo para a doença, com uma amostra total de 89.397 pessoas.
Para divulgar a conclusão do trabalho, o coordenador do estudo e reitor da UFPel, Pedro Curi Hallal, participou da coletiva de imprensa do Ministério da Saúde na tarde desta quinta-feira (2).
Entre os "resultados mais impactantes", na visão do reitor, está o que indica os sintomas percebidos por infectados pelo vírus. Somadas as três fases da pesquisa, foram identificadas 2.064 pessoas com anticorpos — ou seja, que tem ou já tiveram infecção por covid-19 —, das quais 9% não relataram qualquer sintoma, sendo classificadas como assintomáticas.
Entre os sintomas percebidos, os cinco que foram relatados por mais da metade das pessoas com anticorpos foram: alteração de olfato/paladar (62,9%), dor de cabeça (62,2%), febre (56,2%), tosse (53,1%), dor no corpo (52,3%).
— A literatura se acostumou a dizer que a maioria dos pacientes são assintomáticos. E o nosso estudo sugere que a maioria têm sintomas leves, mas não são assintomáticos. E isso fica muito claro, porque os números mostram que mais de 60% das pessoas que testaram positivo na pesquisa tiveram um sintoma que é muito específico da covid. Não há muitas doenças que geram alterações no olfato e paladar, diferente da dor de cabeça, febre — avalia.
A conclusão, afirma Hallal, pode auxiliar a Secretaria de Vigilância em Saúde do ministério a desenvolver protocolos para tentar identificar infectados.
Conforme o governo federal, o estudo tem objetivo de contribuir para o conhecimento da doença e será confrontado com outros feitos no país. A realização de novas etapas da pesquisa ainda são analisadas.
Indígenas são grupo étnico com mais anticorpos para a doença
Outro destaque do estudo, conforme a universidade, é o que mostra que houve maior proporção com anticorpos entre as populações indígenas em comparação aos demais grupos étnicos — a coleta foi realizada em área urbana, não em indígenas aldeados. A população que se autodeclarou branca foi a que apresentou menor proporção de exposição ao vírus.
Em relação as regiões do país, as diferenças foram "marcantes", aponta a UFPel. Na primeira fase, de 14 a 21 de maio, apenas o Norte apresentava percentual da população com anticorpos superior a 1%. Nas fases subsequentes, o Norte manteve os percentuais mais elevados, "mas chamou atenção o crescimento acelerado no Nordeste, e tendências de crescimento também no Sudeste e no Centro-Oeste", indica a instituição em material divulgado.
"Por outro lado, na Região Norte, não houve diferenças entre os resultados da segunda e da terceira fases da pesquisa, indicando uma possível desaceleração da pandemia naquela região", conforme conclusão do estudo.
Para analisar a evolução da proporção da população com anticorpos, foram analisados os dados das 83 cidades nas quais foi possível obter 200 ou mais entrevistas e testes em todas as três fases da pesquisa.
No conjunto dessas cidades, já levando em consideração a taxa de falsos positivos e falsos negativos do teste rápido utilizado, o percentual da população com anticorpos foi de 1,9% (1,7% a 2,1% pela margem de erro) na primeira fase, 3,1% (2,8% a 3,4% pela margem de erro) na segunda fase e 3,8% (3,5% a 4,2% pela margem de erro) na terceira fase da pesquisa. O aumento da primeira para a segunda fase é considerado grande por Hallal e indica que a proporção de pessoas com anticorpos para coronavírus aumentou 53% no país. Já da segunda para a terceira foi de 23%.
— Esse crescimento entre a segunda e a terceira fases mostra que houve uma desaceleração, o que é ótimo — analisa.
Confira mais pontos detalhados na pesquisa
Letalidade é de uma morte a cada cem infectados
Segundo a instituição, a letalidade da infecção pelo coronavírus foi calculada pela divisão do número de óbitos pelo número de infectados. Os óbitos por covid-19 foram obtidos de estatísticas oficiais no dia 20 de junho, nas 133 cidades incluídas na pesquisa. O número de infectados foi calculado pela proporção de pessoas com resultado positivo no teste (com correção para validade do teste e delineamento amostral) nas cidades, multiplicado pela soma da população das 133 cidades. Esse cálculo resultou numa letalidade de 1,15%, podendo variar de 1,05% a 1,25% pela margem de erro. Em resumo, de cada 100 pessoas que têm o vírus, uma acaba indo a óbito.
Maior infecção entre a população mais pobre
Segundo a pesquisa, em relação ao nível socioeconômico, nas três fases da pesquisa, houve uma tendência linear de maior proporção da população com anticorpos conforme diminui o nível socioeconômico. Além disso, a diferença entre os 20% mais pobres e os 20% mais ricos aumentou de 1,1 ponto percentual na primeira fase, para 2,0 pontos percentuais na segunda fase e 2,3 pontos percentuais na terceira fase.
— Estamos acostumados a isso. Praticamente qualquer evento que avaliamos, como de outras doenças, costuma mostrar diferença, indicando que as pessoas mais pobres estão mais expostas.
O percentual da população com anticorpos não diferiu entre homens e mulheres em nenhuma das fases da pesquisa. Da mesma forma, não foi observada uma tendência nítida por idade, confirmando que o risco de infecção não depende da idade. Deve-se ressaltar, no entanto, que embora não haja diferença no risco de contrair a infecção entre homens e mulheres ou por grupos de idade, a severidade da covid-19 tende a ser maior nos grupos etários mais avançados, conforme a literatura.
— Outro resultado muito marcante do estudo é que crianças e adolescentes pegam o vírus na mesma proporção que adultos. As crianças têm o vírus tanto quanto os adultos, claro que com um quadro clinico menos grave — avaliou Hallal.
Diferença entre número de casos notificados e total de pessoas infectadas
A diferença entre o número de casos notificados e o número de pessoas com anticorpos estimado pela pesquisa manteve-se estável ao longo das três fases do estudo. Na primeira fase, a magnitude dessa diferença foi de 7x, tendo variado levemente para 6x na segunda e na terceira fases do estudo. Em cada fase, esse cálculo foi obtido da seguinte forma: divisão do número estimado de pessoas com anticorpos nas cidades pelo número de casos notificados nas mesmas cidades no dia imediatamente anterior ao início da coleta de dados.
O reitor rechaça, contudo, que os resultados da pesquisa sejam usados para estimar o número absoluto de casos no Brasil, porque há variação de diversos fatores, como o tamanho da população de cada cidade.
Infecção em casa
A pesquisa testou todos os moradores das casas nas quais a pessoa sorteada para o estudo teve um teste positivo. No somatório das três fases da pesquisa, foram testadas 2.583 pessoas, das quais 39% tiveram testes positivos.
Nível de respeito ao distanciamento social
O estudo também avaliou a adesão da população as recomendações de distanciamento social. O percentual das pessoas que relatou sair de casa diariamente aumentou de 20,2% na fase 1 (14-21 de março) para 23,2% na fase 2 (04 a 07 de junho) e para 26,2% na fase 3 (21 a 24 de junho). No outro extremo, o percentual de pessoas que relatou ficar em cada todo o tempo diminuiu de 23,1% na fase 1 para 20,5% na fase 2 e para 18,9% na fase 3.
Pesquisa foi realizada em 133 do país
O estudo é realizado em 133 cidades, espalhadas por todos os Estados do Brasil. Na primeira fase, foi possível completar 200 ou mais das 250 entrevistas e testes previstas em 90 das 133 cidades. Na segunda fase, 200 ou mais entrevistas e testes foram obtidos em 120 das 133 cidades. Na terceira fase, foi possível realizar 200 ou mais entrevistas e testes em todas as 133 cidades participantes da pesquisa.
A primeira fase foi realizada entre os dias 14 e 21 de maio, totalizando 25.025 entrevistas e testes. A segunda fase realizou-se entre os dias 4 e 7 de junho, tendo sido conduzidas 31.165 entrevistas e testes. A terceira fase ocorreu entre os dias 21 e 24 de junho, totalizando 33.207 entrevistas e testes.
O Epicovid19-BR é um estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas. O financiamento para a pesquisa foi do Ministério da Saúde. O estudo contou também com apoio do Instituto Serrapilheira, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), da Pastoral da Criança, e contou com doação do programa da JBS Fazer o Bem Faz Bem. A coleta de dados foi de responsabilidade do Ibope Inteligência.