Imprescindíveis no enfrentamento da covid-19, equipamentos de proteção individual (EPIs), leitos, ventiladores mecânicos e todo o aparato necessário para fazer funcionar unidades de internação e de terapia intensiva não serão jamais suficientes se, no comando dessa delicada operação, não houver equipes capacitadas.
Com o avanço da pandemia, hospitais ampliam seus espaços para o atendimento exclusivo dos casos suspeitos e confirmados de infecção por coronavírus, mas a falta de mão de obra qualificada é um problema que já desponta no horizonte de gestores da área da saúde a curto e médio prazos.
Meses atrás, a descoberta e a rápida disseminação do vírus exigiu reação imediata, com ações de planejamento e treinamento sendo colocadas em prática por autoridades sanitárias e profissionais da linha de frente. As mudanças e os ajustes necessários vão sendo feitos conforme se aprende, cada vez mais, sobre o sars-cov-2, até pouco tempo desconhecido.
Quanto à força de trabalho, há pontos fundamentais a serem considerados, conforme Milton Berger, diretor médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): a contratação de profissionais especializados e a manutenção deles em atividade, saudáveis.
Se um trabalhador adoece, desfalca o time por um período, o que significa que terá de ser substituído. Essa ausência pode acarretar súbitos rearranjos de escalas, sobrecarga para os colegas e necessidade urgente de reposição — com um profissional igualmente habilitado.
O HCPA, informa Berger, recebeu verba para a instalação de novos leitos e autorização para contratar uma força de trabalho emergencial. Iniciativas "louváveis", na definição do diretor, mas o mercado não está, segundo ele, preparado para certas demandas.
No caso do Clínicas, que contrata por meio de concursos — alguns realizados em caráter emergencial —, os aprovados, além de passar por todos os trâmites de admissão, precisam se submeter a capacitações específicas para lidar com o novo perfil de paciente. Pessoas que desenvolvem as formas mais graves da covid-19 podem ter diversas partes do organismo comprometidas pela doença.
Uma saída tem sido treinar os ingressantes em áreas menos críticas, deslocando os experientes para os setores críticos, sempre equilibrando os diferentes níveis de treinamento. Atualmente, o pronto nevrálgico está na medicina intensiva.
— Intensivistas estão sendo requisitados pelo Brasil inteiro. É uma dificuldade — comenta Berger.
Outro complicador é o modelo de contrato oferecido no momento. Mesmo que o HCPA seja uma entidade de renome na assistência, no ensino e na pesquisa, nem todos se interessam por contratos de no máximo dois anos de duração.
— Pessoas já experientes que poderiam contribuir muito talvez não se sintam atraídas por um contrato temporário, deixando suas funções definitivas em outros locais. Isso pode gerar insegurança e nos tornar menos atrativos — avalia Berger.
Com previsão de elevar o número de leitos de UTI exclusivos para covid-19 dos atuais 56 para 105 até o final de julho, Berger afirma que a instituição ainda não está esbarrando na falta de mão de obra — foram cinco leitos abertos no sábado (20) e cinco nesta segunda (22), além de outros 10 a estarem operando até a próxima sexta-feira (26). As equipes, por enquanto, estão completas, mas não há, agora, quantidade suficiente de profissionais para cobrir todo esse plano de expansão.
— As pessoas estão vindo. Existem trâmites que devem ser feitos, e tudo está sendo feito de forma expressa — explica o diretor técnico, acrescentando que há planos de contingenciamento como o que prevê o deslocamento, se for necessário, de profissionais que já têm capacitação em medicina intensiva mas estão atuando em outras áreas.
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), o ginecologista e obstetra Carlos Isaia Filho nega ter conhecimento sobre falta de médicos especializados em entidades no Estado — além da necessidade pontual do HCPA, mencionada acima —, o que, entretanto, pode acabar acontecendo. Sobre o preenchimento de vagas, o presidente salienta que é fundamental prezar sempre pela qualidade do atendimento.
— O profissional não pode só impedir o óbito. Ele tem de impedir que esse paciente saia da UTI sem condições de sobreviver. E um médico sozinho não faz nada em uma UTI. Ele precisa de uma boa equipe de enfermagem, de auxiliares de enfermagem e de outros profissionais que são fundamentais, como nutricionista, fisioterapeuta, equipe administrativa. Às vezes, a falta de um ou de outro põe em risco todo o trabalho — pondera.
A exposição ao risco de contágio preocupa o conselho, mas se trata de algo inerente à profissão. Da parte do Cremers, observa Isaia Filho, há um alerta permanente sobre os cuidados a serem tomados. Quanto à sobrecarga, ele pontua que se trata de um aspecto inevitável:
— Existem profissionais que não estão na linha de frente se oferecendo para fazer essa cobertura. Isso, por um lado, é muito bom, mas tem de ver o preparo e a experiência deles. Estamos com uma patologia nova, com condutas diferentes. Isso tem de ser sempre muito bem avaliado pelas chefias. A qualidade do atendimento não pode ser negligenciada em razão da pandemia. Temos de manter a qualidade e salvar vidas.