Um estudo conduzido pela UFRGS, em parceria com a Fiocruz e as universidades de Valência, na Espanha, e de McMaster, no Canadá, deu números a um sentimento unânime neste período pandêmico. O nosso estilo de vida mudou com a pandemia — e para pior.
Para mapear a saúde mental da população, a pesquisa "Hábitos saudáveis e estilo de vida durante a pandemia de covid-19" entrevistou mais de 22 mil pessoas, entre brasileiros e espanhóis, entre os meses de abril e maio. Os resultados apontaram que, no Brasil, o declínio de práticas sadias foi mais agudo do que no país europeu.
— Parece que, no Brasil, o impacto da pandemia tem sido mais profundo. Praticamente tudo piorou. Sendo que, naquele momento, a Espanha estava em pleno lockdown, e o Brasil, em um estágio inicial da pandemia — diz o professor de Medicina da UFRGS Flávio Kapczinski, um dos coordenadores do trabalho.
Segundo dados parciais da pesquisa, até 1º de maio, 50,3% dos brasileiros que participaram tiveram alterações em seu padrão de sono, contra 38,2% dos espanhóis. Por aqui, 44,1% ainda relataram mudanças em seus hábitos alimentares. No país europeu, 23,9%.
— A OMS (Organização Mundial da Saúde) tem alertado que, depois dessa pandemia, haverá a pandemia de doenças mentais — adverte Kapczinski, que é psiquiatra.
Devido ao distanciamento social imposto pelo coronavírus, o estudo foi feito por meio de um questionário online que, antes da pandemia, seria aplicado para investigar o impacto do estilo de vida na saúde física e mental da população. Depois, acabou adaptado para os tempos de covid-19.
Em 40 perguntas, o levantamento dividiu-se em sete áreas — dieta, uso de substâncias (como álcool, tabaco e drogas), atividade física, controle do estresse, sono, suporte social e exposições ambientais (incluindo TVs, computadores e celulares). Para os pesquisadores, outro dado que acendeu o alerta foi o de que 54% dos participantes brasileiros perceberam mudanças em sua rede de suporte social, indicando que as pessoas estão mais fragilizadas.
Ao longo do questionário, os participantes também tiveram acesso a dicas de bem-estar, sugeridas pela Fiocruz. Entre elas, que se pratique atividade física regularmente por, ao menos, 150 minutos na semana, que se evite o consumo de álcool e cigarros para lidar com emoções e que se dê preferência ao cozimento do próprio alimento.
Outras três rodadas do estudo serão feitas nos próximos meses, a cada 90 dias, para que, ao final, os pesquisadores compararem os resultados nos diferentes períodos da pandemia. A pesquisa, contemplada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapergs), também terá o lançamento de um aplicativo, dando dicas de como manter uma rotina saudável de acordo com as respostas do usuário.
— Estamos muito preocupados em entender o vírus e encontrar tratamentos e vacinas, e essa parte do estilo de vida e da saúde mental ficou um pouco negligenciada. O estudo mostra que essas outras áreas também estão sendo modificadas. Precisamos estar atentos para, de certa forma, remediar essa situação — afirma Adriane Rosa, professora de Farmacologia da UFRGS.