Durante três horas e 30 minutos do último dia 29, a reportagem de GaúchaZH circulou pelo CTI do Hospital Conceição para mostrar como funciona um dos ambientes mais simbólicos e dramáticos da atual gravíssima crise sanitária de escala global: o setor para onde são levados os doentes em estado crítico que padecem de uma enfermidade de repercussões ainda sendo desvendadas pela medicina.
Uma unidade de terapia intensiva para tratamento exclusivo de covid-19, a enfermidade provocada pelo coronavírus, descoberto na China em dezembro passado, fundamenta-se, por princípio, em um paradoxo: é um dos locais mais perigosos e, ao mesmo tempo, mais seguros para se estar hoje. Trata-se de uma doença viral facilmente transmissível, mas o rigor dos protocolos de higiene pode blindar os profissionais cercados por doentes.
Naquela manhã, havia 10 casos suspeitos e nove confirmados de covid-19, além de três pacientes já com resultado negativo que aguardavam transferência para outras áreas do CTI. Sete leitos estavam vagos.
Médica residente em terapia intensiva, Ana Júlia Fronza, 28 anos, ainda está em formação em plena pandemia. Foi ela quem comandou a manobra prona do homem de 54 anos. Acompanha em tempo real os desfechos de uma enfermidade desconhecida que surpreende até os mais experientes.
– É um cenário de guerra praticamente todos os dias. Você não sabe o que esperar – conta Ana Júlia.
A mãe da médica, em Vacaria, telefona mais de uma vez por dia. Antes da brusca mudança de realidade, os contatos não eram tão frequentes. Recomenda que a filha durma e se alimente. Quando Ana Júlia acorda, o celular já mostra uma mensagem de bom-dia. "Te cuida", pede a mãe.
– Ela está bem temerosa. Não sabia que ela estava tão preocupada até uma amiga dela dizer que ela chora todos os dias – revela Ana Júlia.
Indissociável da rotina profissional, a família está entre as principais preocupações daqueles que são o elemento de contato entre a linha de frente do combate à pandemia e a vida do lado de fora do hospital, que os aguarda ao final do expediente.
Casada com um médico intensivista, a fisioterapeuta intensivista Viviane Corrêa Boniatti, 39 anos, tem dois filhos: Laura, seis, e Lucas, quatro. No começo, ela relata, sentiu medo. Sua atribuição mais arriscada é a extubação, a retirada do tubo para respiração da boca do paciente, que provoca tosse. Como sabe que está bem protegida, com todos os EPIs necessários, o pico do receio passou.
A exemplo de tantos companheiros, quando chega em casa, tira os sapatos antes de entrar e vai direto para o banho.
– Daqui a pouco eu volto – informa ela às crianças.
Os pequenos querem saber:
– Mamãe, você estava lá cuidando dos titios com coronavírus?
Mesmo já informados de que beijos e abraços só são permitidos depois que ela sai do banheiro, a dupla às vezes se esquece e corre em direção à mãe. Antes do toque, um deles costuma se dar conta da proibição e trava no meio do caminho, saindo em disparada em outra direção:
– Aaaaah! Coronavírus!
Viviane estranhou, nos primeiros dias, todo o novo aparato de defesa imposto pela pandemia. Andava como um robô. Há 14 anos no Conceição, atesta:
– A gente acaba vendo sempre as piores coisas.
Como técnico em enfermagem, Jhonathas Oliveira, 31 anos, mantém um contato próximo com os pacientes. Além de aplicar os remédios prescritos, de urgência ou uso contínuo, é responsável por troca de fraldas, limpeza dos dentes (com pinça, gaze e solução antisséptica), banho, lavagem do cabelo.
Quando deparam com fios longos, especialmente de mulheres, os técnicos costumam pedir auxílio às colegas mulheres, em geral mais jeitosas para desembaraçar e pentear.
Estudante do nono semestre de Enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jhon, como é chamado no CTI, tem se comunicado com a filha de seis anos, que mora no Interior, por videochamadas. Em uma conversa recente, a menina anunciou ao pai:
– Eu quero ser enfermeira também.