O Brasil não está entre os primeiros colocados no ranking mundial de mortes por coronavírus quando se calcula a taxa de óbitos pelo tamanho da população, mas registra vítimas em velocidade mais acelerada do que os líderes dessa lista e vem ganhando posições.
Desde o começo de maio, o país subiu 20 lugares na tabela de mortalidade: era 31º colocado no início do mês passado, e hoje está em 11º, com 209 mortos por milhão conforme o dado oficial do Ministério da Saúde até as 17h desta terça (15) — excluídas da comparação nações com menos de 150 mil habitantes e, por isso, mais sujeitas a distorções estatísticas. O índice de vítimas por milhão é usado como referência pela Universidade de Oxford, do Reino Unido, no site Our World in Data — o Ministério usa a cifra por 100 mil habitantes.
Nas últimas semanas, uma discussão sobre a forma mais indicada de contabilizar as vidas perdidas para a pandemia ganhou voltagem e ingredientes políticos. Embora o país seja o segundo em número absoluto de mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, uma parte da sociedade, incluindo representantes e apoiadores do governo, sustenta que o índice por habitantes expressa de maneira mais fiel o panorama nacional.
Esse argumento está correto do ponto de vista epidemiológico.
— Eu não posso comparar Porto Alegre com Anta Gorda, ou o Brasil com a Espanha. A Espanha é do tamanho de São Paulo. Claro que nós vamos ter mais casos e mortes. A taxa por habitante expressa melhor o risco que temos de morrer em um determinado país — argumenta o professor de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consultor do Hospital de Clínicas Jair Ferreira.
Mas, mesmo que por esse critério os brasileiros fiquem melhor posicionados nos rankings internacionais, isso não chega a ser uma boa notícia. Para se ter uma noção mais precisa do impacto da pandemia sobre a população, também é necessário observar em que estágio ela se encontra. E, nesse quesito, a situação brasileira preocupa em números absolutos ou relativos.
— Diferentemente de outros países do Hemisfério Norte, nós ainda não chegamos ao platô da doença e continuamos tendo um número elevado de casos e mortes. Também é preciso considerar que os europeus, por exemplo, têm uma capacidade de testagem muito maior do que a nossa. Por isso, não devemos abrir mão de políticas públicas (de distanciamento) pelo fato de a nossa taxa de mortes ainda não ser tão alta quanto a de outros lugares — argumenta o infectologista do Hospital Conceição André Luiz Machado da Silva.
Taxa cresceu quase 50% no país em junho
Somente desde o começo de junho, a taxa de óbitos por milhão cresceu 47% no país. Em comparação, as nações que atualmente lideram esse ranking avançaram bem menos: o índice subiu 1,8% na Bélgica e 7% no Reino Unido. Em relação ao número de casos por população, a situação se repete. O indicador brasileiro saltou 70%, contra 38% no Catar e 61% no Bahrein, os dois primeiros colocados.
— Ao falar de taxa de mortes por habitantes, também precisamos falar de velocidade (de expansão da pandemia) — complementa Silva.
A comparação também não favorece o Brasil quando se toma outro país gigantesco tanto em território quanto em população. A China, por exemplo, contabiliza apenas três óbitos por milhão — e esse índice se manteve o mesmo desde o começo do mês. A diferença é que a doença começou mais cedo entre os chineses e também foi controlada de forma muito mais rápida do que no Brasil, apesar dos temores atuais de uma segunda onda do vírus.
— A verdade é que a cada dia nos surpreendemos com novas notícias sobre essa doença. É temerário pagar para ver fazendo comparações temerárias da taxa de óbitos por habitantes do Brasil com a de outros países onde a pandemia já está em declínio — sustenta o infectologista do Conceição.
Jair Ferreira acredita que o Brasil deve ganhar mais posições no ranking proporcional ao tamanho da população, embora seja difícil prever qual será sua colocação final:
— Como seguimos registrando perto de mil mortes ao dia, poderemos superar outros países como o Canadá nos próximos dias. Mas ainda não sabemos ao certo como a pandemia vai se desenvolver.