Projeções feitas com um modelo matemático desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam que a adoção de lockdown obrigatório no Estado de São Paulo será inevitável caso o nível de isolamento social não suba significativamente nas próximas semanas, começando já nesta terça-feira (12).
Entre os dias 8 e 10 de maio, foram registrados, em média, 1.839 novos casos diários de covid-19 em todo o Estado, sendo 1.033 somente na capital. Se for mantida a taxa de contágio observada nos 30 dias anteriores a 10 de maio, no final de junho São Paulo contabilizará 53,5 mil novas infecções por dia, sendo 20,8 mil casos diários somente no município de São Paulo. Nesse período, estima-se que o número de novos casos dobre a cada 11,5 dias para o Estado e a cada 12,9 dias para a capital, nas próximas semanas.
O cálculo foi feito considerando-se os dados reais de crescimento do número de casos ao longo do último mês, que indicam taxa de contágio de 1,49 para o Estado e de 1,44 para a cidade de São Paulo. Ou seja, no final de abril, cada cem paulistas infectados transmitiam o coronavírus para quase 150 pessoas, em média (ao longo de um período de cerca de 7,5 dias após se contaminar, de acordo com a modelagem utilizada).
— Essas projeções têm grande chance de estarem subestimadas, pois o nível de isolamento vem caindo desde o início de abril e, entre 5 e 9 de maio, não ultrapassou 50%, o que provocará o aumento da taxa de contágio. Isso se refletirá daqui a 15 ou 20 dias no número de novos casos, depois sobre o número de óbitos — pontua o matemático Renato Pedrosa, professor do Instituto de Geociências da Unicamp e coordenador do Programa Especial Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapesp.
As estimativas foram feitas com um modelo desenvolvido por Pedrosa e descrito em artigo disponível na plataforma medRxiv. O modelo permite estimar a dinâmica de transmissão da covid-19 em diferentes locais, levando em conta variáveis climáticas, como temperatura e umidade absoluta, a densidade populacional e a linha do tempo da instalação da doença, que corresponde à data em que a região atingiu a marca de cem casos.
— Mesmo que se mantenha o nível de contágio estimado até 10 de maio, os valores projetados indicam que ainda este mês o sistema público de saúde da região metropolitana de São Paulo atingirá o limite, pois o nível de ocupação de leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) já está acima de 80%. Se o isolamento não for ampliado urgentemente, o Estado terá de adotar medidas mais drásticas de contenção, como ocorreu na Itália, ou a situação se tornará insustentável — alertou o matemático.
Para desenvolver o modelo, Pedrosa usou dados de 50 Estados norte-americanos e de outros 110 países, incluindo o Brasil. As informações meteorológicas foram obtidas em uma base de dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, instituição que integra o Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Já os dados referentes à expansão da covid-19 até o dia 10 de abril vieram de duas fontes: o Centro de Ciências de Sistemas e Engenharia da Johns Hopkins University (Estados Unidos) e o Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças, com sede na Suécia.
— Estudos iniciais sugeriam que o coronavírus teria mais dificuldade para se disseminar em países com clima quente e úmido. Mas, segundo este modelo, o efeito das variáveis climáticas na taxa inicial de expansão da doença não foi significativo ao se incluírem as variáveis de densidade populacional e/ou a data de início da doença (centésimo caso). Isso confirmou a experiência do Brasil e de outros países que estavam em período de verão, com clima quente e úmido, e sofreram expansão severa da covid-19 — conta Pedrosa.
A data do centésimo caso apareceu de forma interessante. Quanto mais tarde esse evento ocorreu em um determinado local, menor foi a taxa inicial de expansão da covid-19. Uma possível explicação é que, nos locais onde o vírus tardou a chegar, a população foi ganhando consciência sobre a necessidade de adotar medidas de proteção, como lavar as mãos, usar álcool em gel, evitar apertos de mão e aglomerações. E isso diminuiu a velocidade de transmissão mesmo nos estágios iniciais.
Segundo Pedrosa, uma vez descontado esse efeito, a densidade populacional das diferentes regiões analisadas passou a ser a variável mais relevante para estimar a taxa de expansão livre da covid-19, ou seja, sem nenhum efeito de atenuação de diversas origens, e como seria o contágio nessa situação.
Quanto mais densamente povoada a região, maior seria a taxa de contágio livre, algo esperado conceitualmente, mas, segundo Pedrosa, aplicado pela primeira vez na análise da taxa de contágio da covid-19.
Contágio atenuado
Com base nesses resultados, Pedrosa decidiu estimar a taxa de atenuação do contágio que seria necessária para controlar a doença em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal, em função da densidade populacional de cada cidade.
No topo da lista das mais densamente povoadas do país estão Fortaleza (7.786 hab/km²), São Paulo (7.398 hab/km²), Belo Horizonte (7.167 hab/km²), Recife (7.040 hab/km²) e Rio de Janeiro (5.267 hab/km²). Se nenhuma medida de distanciamento social tivesse sido adotada para conter o avanço do coronavírus nesses municípios, calcula o pesquisador, todos teriam uma taxa de contágio superior a 5,8 e o número de infecções dobraria em menos de dois dias.
— Para controlar a doença nas quatro cidades mais densamente povoadas do país, é preciso atenuar a taxa de contágio livre em 84%, o que seria possível com pelo menos 60% de isolamento social combinado ao uso obrigatório de máscaras de boa qualidade, por exemplo — observa o pesquisador.
O potencial de proteção das máscaras pode ser calculado, segundo estudo disponível no repositório arXiv, que avaliou a eficiência de diversos modelos para atenuar o contágio, que pode ser muito significativo, dependendo da cobertura do uso e do tipo de máscara.
— A dificuldade em utilizar os resultados desse estudo para estimar o efeito da obrigatoriedade do seu uso é que a eficiência dos tipos de máscara varia muito, desde praticamente zero para máscaras feitas em casa de material inadequado até mais de 90% para as máscaras do tipo N95, usadas por profissionais e que custam muito caro, sendo inacessíveis à maioria da população — diz o pesquisador.
Pedrosa ressalta que a região metropolitana de São Paulo engloba várias cidades de alta densidade populacional, que apresentam números de reprodução próximos do observado na capital ou mesmo mais altos, como Diadema, Carapicuíba e Osasco.
— Portanto, para uma região com mais de 21 milhões de habitantes, a situação poderá se tornar ainda mais grave em prazo muito curto se medidas que levem ao aumento do isolamento falharem — conclui Pedrosa.