Diante de um vírus com alto potencial de contágio, é muito provável que, em algum momento, todos sejam expostos à covid-19. Foi com base nesse raciocínio que o estudante Pablo Fernandes, 21 anos, colocou-se à disposição da ciência para ser infectado pela doença assim que for possível. Morador de Canoas, na Região Metropolitana, ele manifestou interesse em ser voluntário em um projeto norte-americano para testar vacinas contra o coronavírus. A iniciativa, que recruta pessoas pela internet, ainda está em fases preliminares.
— Trabalho seis dias por semana atendendo ao público, e meu trabalho não parou até agora. Enxergo como questão de tempo acabar me infectando. Como já estou exposto, pensei em contribuir de alguma forma — conta o estudante de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que atende em uma loja de conveniência.
Formada por médicos e epidemiologistas, a ONG americana 1 Day Sooner está convocando voluntários para verificar a efetividade de vacinas contra a covid-19 em humanos. Pablo soube do projeto por meio de artigos na internet – o consumo de notícias aumentou desde que as aulas foram suspensas – e, antes de se inscrever, pesquisou sobre os médicos envolvidos. Como a iniciativa lhe pareceu confiável, realizou um cadastro no site.
Na semana passada, recebeu uma ligação do grupo confirmando o interesse em participar do projeto, com explicações preliminares sobre como funcionaria: os voluntários seriam divididos em dois grupos, um deles submetido à vacina e outro que receberia um placebo. Depois, todos seriam expostos ao vírus e monitorados para verificar o impacto da doença em quem recebeu a potencial imunização – e tratados caso o composto não funcione. Esse tipo de método é chamado de "human challenge trials" (teste com "desafio humano"), e tem como principal vantagem a economia de tempo, já que os cientistas não precisam monitorar a pessoa por meses, mas por algumas semanas.
Projeto tem 200 brasileiros inscritos
Por estar fora dos grupos de risco – os voluntários da 1 Day Sooner devem ter entre 20 e 45 anos e não podem apresentar doenças pré-existentes –, Pablo acredita que, ainda que esteja entre os infectados, terá boas chances de se recuperar da doença. Difícil foi convencer a sua mãe da mesma coisa.
— Ela não gostou muito da ideia. Primeiro achou que iam roubar meus órgãos, aquela coisa toda. Agora ela aceita, mas espera que eu não seja escolhido. Fico preocupado também, mas quem participar do projeto vai ter prioridade no atendimento, caso seja infectado — diz o estudante, que, quando não está no trabalho, tem mantido o distanciamento social na casa onde vive com a mãe e dois irmãos.
Até esta segunda-feira (4), mais de 10 mil pessoas de 52 países – entre elas cerca de 200 brasileiros – tinham se cadastrado por meio da plataforma para participarem de testes de imunização. Como a organização não é filiada a nenhuma empresa que esteja financiando ou desenvolvendo vacinas, não há previsão de quando os voluntários podem ser convocados.
ONG faz alerta a voluntários
O site do grupo diz que a taxa de doenças graves e a mortalidade entre jovens saudáveis é baixa, mas alerta aos voluntários que eles podem enfrentar doenças graves e até morte em casos extremos. Destaca, ainda, que "os participantes do estudo seriam isolados em ambientes altamente controlados, sob constante observação ", e que, se a infecção for detectada, eles receberão "excelente tratamento médico".
Testes do tipo "human challenge" foram usados em outros momentos para desenvolver vacinas contra gripe, malária, dengue, cólera e febre tifóide. Desde 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que esse tipo de estudo só deve ser considerado quando não houver outra terapêutica eficaz disponível para tratar a doença e prevenir a morte.
Há pelo menos seis vacinas em potencial para a covid-19 na fase de ensaios clínicos, ou seja, com testes em pessoas. Enquanto isso, 77 estão sendo testadas em laboratório e em animais. Dentro de um cenário favorável, estima-se que a vacina deve estar pronta em um ano.