Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na quinta-feira (7), o decreto que inclui quatro atividades na lista de essenciais — liberando as industriais e de construção civil no território nacional — foi criticado por especialistas em saúde consultados por GaúchaZH. Sua aplicação também foi questionada pelo governo do Rio Grande do Sul.
O presidente da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI), Alexandre Vargas Schwarzbold, avalia que a ação do governo é temerária. Conforme o infectologista, medidas como essa não podem ser tomadas em âmbito nacional e de maneira indiscriminada. Schwarzbold entende que o melhor caminho seria avaliar a situação de cada Estado e município e adotar ações de acordo com as realidades regionais, pois as curvas epidemiológicas variam. O especialista diz que o decreto presidencial ocorre em um cenário que não permite uma flexibilização das medidas de isolamento social:
— Nada nos indica que esse é um momento de abertura. Acho que há o perigo de a gente acreditar que a curva já atingiu o seu platô. E ela não atingiu o seu platô. Estamos literalmente em fase de crescimento da curva em algumas regiões do país e outras provavelmente no início da curva. Sobretudo, levando em conta a região Sul e o inverno.
Nesta quinta, o Brasil registrou 610 novos óbitos por covid-19, chegando a 9.146 mortes, conforme o Ministério da Saúde. Ranking da Universidade Johns Hopkins, referência para dimensionar a incidência da pandemia no mundo, coloca o país como sexto em número de mortes pela doença.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alberto Chebabo também entende que não é possível ter uma regra única para todo o país. Ele salienta que esses serviços não são essenciais em locais onde a doença ganha força, e a prioridade tem de ser salvar vidas.
— Nos Estados onde você está tendo número grande casos, como nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste, essas atividades no momento não são essenciais. Muito pelo contrário. A gente está recomendando fechar mais atividades ainda, com a questão do lockdown.
O próprio ministro da Saúde, Nelson Teich, citou, em coletiva no último dia 30 de abril, que as secretarias estão agindo de acordo com planejamentos técnicos e específicos para as demandas de cada localidade. Seu discurso é focado na não-linearidade das ações, ou seja, não estabelecer políticas iguais para todo o país. Na quarta-feira (6), ele adiantou que a nova diretriz de distanciamento social pode inclusive recomendar lockdown para regiões metropolitanas em crise:
— Não é uma política de a gente é contra ou a favor do distanciamento. É você fazer o que é certo no lugar certo. Vai ter lugar que a gente vai recomendar lockdown, vai ter lugar que existe situação que te permite tentar alguma coisa.
Interpretação jurídica
Além das ponderações na área médica, a medida adotada por Bolsonaro deu margem para questionamentos jurídicos. O governador Eduardo Leite, na tarde de quinta, já anunciou que o decreto “não mudará a política estadual” e chamou o texto de manobra “para tirar dos governos subnacionais a possibilidade de fecharem esses serviços”:
— Mantemos as possibilidades de determinarmos em que condições funcionarão.
Eduardo da Costa, procurador-geral do Estado, afirma que “não é o ato de descrever uma atividade na lista de essenciais que faz ela ser essencial”:
— O conceito legal de essencial precisa ser interpretado.
Ele usa um trecho do próprio decreto para sustentar seu argumento: "São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população".
O anúncio de ampliação da lista nacional de atividades consideradas essenciais ocorreu no início desta tarde, pelo presidente Bolsonaro, durante encontro com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. O decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União no fim da tarde. O documento inclui as seguintes atividades: produção, transporte e distribuição de gás natural; indústrias químicas e petroquímicas de matérias-primas ou produtos de saúde, higiene, alimentos e bebidas; atividades de construção civil, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde; e atividades industriais, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde.
*Colaborou Roger Silva