Por Gilberto V. Barbosa
Professor da UFRGS, membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
O vírus invisível, que viajou em altíssima velocidade da Ásia a todos os continentes, colocou de joelhos países de reconhecida capacidade econômica, científica e tecnológica. Altamente contagioso, de comportamento imprevisível, sem respeitar classe social nem faixa de idade, atingiu rapidamente grande extensão do nosso território. Ceifou vidas preciosas e impôs sofrimento físico e psicológico a todos, impactando nossa forma de viver e colocando em alerta máximo as redes pública e privada de saúde.
O isolamento social, apesar de impactar nosso ritmo de vida, fez as pessoas conviverem mais tempo com filhos, pais e avós, abrindo espaço para conversar, resgatar momentos de felicidade, exercitar o autoconhecimento, enfim, descobrir que a família é uma estufa de amor. Os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas estimam que 30% das pessoas em quarentena descobriram que trabalhar em casa é produtivo e decidiram continuar a fazê-lo, evitando deslocamentos desnecessários, reduzindo o fluxo de carros nas ruas e suas consequências. Lavar com frequência as mãos e usar máscaras, medidas protetivas para evitar o contágio, também podem se tornar hábitos de higiene permanente, em especial no inverno, reduzindo as taxas de internação por enfermidades infecciosas.
A pandemia trouxe enorme pressão sobre as estruturas existentes de acolhimento, diagnóstico e tratamento de pacientes, desencadeando um processo nunca visto de aumento de leitos e unidades hospitalares. Em 2019, o Brasil tinha 410.225 leitos na soma das redes pública e privada. Agora, tem 426.380. A esses, somam-se 15 mil novas unidades disponibilizadas em 42 hospitais de campanha montados em 15 Estados, excelente ideia para desafogar os hospitais tradicionais.
Nosso país tem 5.570 municípios e somente 557 (10%) possuem UTIs. Os leitos dessas unidades, nos quais se trava a frente mais dura da batalha pela vida, cresceram 20,2% totalizando 59.695 (somando adultos e pediátricos). O Sistema Único de Saúde (SUS) tem sete leitos por 100 mil habitantes, e o setor privado, 32,5. O número de respiradores mecânicos, essenciais para controlar a síndrome respiratória aguda e a covid-19, aumentou drasticamente: temos, no momento, 65.411, com outros 15 mil em aquisição. Tudo isso obtido com dinheiro das várias esferas de governo e de empresas, bancos, pessoas e entidades civis, em uma corrente sem precedentes de comprometimento com a vida.
A indústria brasileira reprogramou-se para atender à demanda por equipamentos hospitalares, produzindo camas, respiradores, monitores de sinais vitais, oxímetros, bombas de infusão de medicamentos, luvas, máscaras e roupas de proteção individual, além da produção acelerada de insumos como desinfetantes, álcool gel, entre outros materiais. Manteve empregos em plena crise ajudando a salvar vidas.
A herança dessa expansão da infraestrutura tecnológica será de grande valia para ajudar a corrigir a falta crônica de leitos, de equipamentos e de pessoal sentida há muito tempo. O SUS mostrou porque é o “maior programa de inclusão social do mundo”, sendo o principal meio de atendimento em massa em meio a essa grave virose.
O SUS apresentou-se com uma força exuberante. Tornou-se exemplo de competência para a comunidade internacional. Será o herdeiro legítimo das unidades e dos equipamentos obtidos, aumentando seu poder de acolhimento essencial para 162 milhões de brasileiros que não têm planos privados de saúde.
Mesmo cronicamente assoberbado com pacientes acometidos de outras doenças de alto risco, o SUS apresentou-se com uma força exuberante. Tornou-se exemplo de competência para a comunidade internacional. Será o herdeiro legítimo das unidades e dos equipamentos obtidos, aumentando seu poder de acolhimento e de resolutividade essenciais para 162 milhões de brasileiros que não têm planos privados de saúde.
Assumindo todos os riscos, trabalhando em ambientes de altíssima carga viral, os profissionais da saúde tornaram-se os heróis no combate direto a esse implacável inimigo. As grandes instituições de pesquisa e seus pesquisadores se lançaram em múltiplos projetos, buscando desvendar a estrutura e o comportamento do coronavírus, na busca de vacinas e de medicamentos capazes de contê-lo ou reduzir a sua letalidade. No devido tempo, e com a cautela necessária, teremos as respostas da ciência, com benefícios diretos a toda a comunidade.
Uma enorme corrente de solidariedade eclodiu em socorro aos desassistidos, provendo alimentos e insumos de proteção de forma espontânea. A imprensa abriu generosos espaços, informando de forma responsável as medidas de proteção e o comportamento dessa virose, prestando um serviço inestimável à população.
Independentemente do que acontecerá nos próximos meses, a pandemia vai trazer mudanças duradouras e fundamentais na nossa sociedade. Assim como ocorreu no passado, na derrubada das torres gêmeas em Nova York, que alterou definitivamente os cuidados com a segurança no mundo inteiro, a covid-19 fará todos os países repensarem seus sistemas de saúde. Haverá permanente pressão por maiores investimentos em programas e estruturas de atendimento, em vez de liberar dinheiro público para acordos com políticos. E, dessa vez, as pressões não virão só de classes sociais menos favorecidas, mas também das mais esclarecidas e afortunadas. Essa doença, que trouxe tanto sofrimento, colapsando a economia do mundo, expôs a fragilidade de sistemas de saúde de países ricos, alertando seus gestores de que a maior riqueza de uma nação é a vida saudável de seu povo.