Desde a chegada do coronavírus, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou para o mercado brasileiro 33 testes para detectar se uma pessoa foi infectada. Além disso, muitos laboratórios desenvolveram os chamados testes "in house", validados por eles próprios, em conformidade com a legislação.
Como resultado, há dezenas de kits diferentes em uso. O serviço que cada um deles oferece, no entanto, varia bastante, o que pode confundir os leigos e inclusive levar alguém a gastar para fazer um exame sem serventia em seu caso.
Há os testes rápidos (em que o resultado sai em minutos) e os que tomam um dia ou mais para chegar ao veredicto. Uns identificam diretamente a presença do vírus, outros, só de forma indireta (pela detecção de anticorpos). Alguns são realizados a partir de amostras de sangue, outros, de material coletado do nariz e da boca. Certos exames só conseguem detectar a presença do vírus mais de uma semana depois dos sintomas, outros permitem uma identificação precoce. Existem ainda os que têm um alto índice de confiabilidade, enquanto outros só identificam uma pequena parcela dos pacientes que estão contaminados.
Veja detalhes deles abaixo
Nenhum exame disponível reúne em si todas as características desejáveis. Por exemplo, os exames mais confiáveis não são rápidos, e os rápidos não são os mais confiáveis.
O exame considerado padrão ouro pelas autoridades e pelos especialistas é o chamado PCR, um teste molecular que identifica diretamente a presença do coronavírus nas secreções do paciente. Esse é o tipo a que são submetidos os pacientes que chegam com sintomas aos hospitais. Ele não é recomendado para quem não apresenta sintomas (porque a carga viral é baixa demais para ser detectada), nem para quem já passou da fase sintomática (porque já não tem mais o vírus). Durante a presença dos sintomas, no entanto, consegue detectar quase todos os casos positivos.
— Esse é o exame mais utilizado até o momento. Ele responde se a pessoa está com o vírus ou não. O problema é ser trabalhoso e caro, além de necessitar de reagentes que estão escassos no mercado, o que limita a capacidade dos laboratórios — afirma Odir Dellagostin, professor do Programa de Pós-graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
No Rio Grande do Sul, a primeira instituição a realizar o PCR foi o Laboratório Central do Estado (Lacen), mas hoje há uma rede de hospitais e laboratórios que oferecem este tipo de exame e que têm os resultados aceitos pela Secretaria Estadual da Saúde. Alguns estabelecimentos oferecem o PCR em modalidade particular, sem necessidade de recomendação médica.
— Acho válido. Se a pessoa estiver com sintomas, não tiver sido alvo da Vigilância e quiser pagar, por que não? Mas para fazer o PCR, ela necessariamente deve estar sintomática — alerta Tani Ranieri, chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde.
Outro teste que detecta diretamente o coronavírus, a partir de secreções do nariz e da boca, é o de imunocaptura. Trata-se de um exame rápido, semelhante ao de gravidez, com resultado em questão de minutos, mas com um índice de acerto inferior ao do PCR. No Exterior, vem sendo usados em blitze nas ruas para tentar identificar pessoas contaminadas. Já há alguns kits do tipo aprovados no Brasil, mas profissionais da área afirmam que ainda não os encontraram à venda.
— Ninguém tem. Estamos querendo comprar, mas não está no mercado, talvez porque ainda se encontrem em fase de validação no Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde. Eles dão mais falsos negativos. Mas, se o resultado for positivo, já se pode separar o paciente — avalia Tani.
Uma outra família é a dos testes indiretos, que não detectam o coronavírus, mas sim os anticorpos que o organismo produz para combater a infecção. Para esse tipo de análise, a amostra deve ser de sangue, soro ou plasma. Um aspecto fundamental é que os anticorpos são produzidos cerca de uma semana a 10 dias depois do início dos sintomas. Isso significa que estes testes não são adequados para quem está se sentindo mal e suspeita estar com covid-19. Se ele resolver ir a um laboratório para uma análise, vai jogar dinheiro fora.
Também os testes indiretos existem em modalidades rápidas ou mais demoradas. Os que exigem mais tempo para dar resultado são do tipo Elisa, processados em laboratório. Segundo o professor Dellagostin, a vantagem é que esses exames têm grande confiabilidade e podem detectar os anticorpos em uma fase mais precoce. Na listagem de aprovados da Anvisa, há dois kits deste tipo. No entanto, o uso ainda não é comum no Brasil.
— Há muitos trabalhos em desenvolvimento. Um grupo nosso, da UFPel, está desenvolvendo um teste desse tipo. Em breve, estará amplamente na rede — diz Dellagostin.
O teste indireto rápido é conhecido como imunocromatografia. Ele também funciona como um exame de gravidez, com resultado quase instantâneo. Mas a eficácia pode ser baixa, deixando passar a maior parte dos pacientes positivos. Mesmo assim, tem sua utilidade. O Ministério da Saúde anunciou a compra de milhões de kits e, nesta semana, o governo do Estado iniciou a distribuição de 26,8 mil unidades entre as 497 prefeituras gaúchas.
Por se tratar de uma técnica que detecta anticorpos, a imunocromatografia não serve para dizer quem tem o vírus. Aponta quem já teve, no passado. Tem sido buscada principalmente para uso em profissionais de saúde e de segurança.
— Só deve ser usado a partir do 10° dia após os sintomas. É útil para dizer se um profissional já teve o vírus e está imune — explica Tani.
Esse tipo de teste também é adequado para verificar a prevalência do vírus na população, com fins epidemiológicos. É o modelo adotado, por exemplo, em estudo da UFPel que busca saber qual proporção de brasileiros já foi infectada.
Testes em laboratórios e hospitais privados
Com a multiplicação dos testes, alguns laboratórios e hospitais privados já estão oferecendo serviços de detecção da covid-19 a seus usuários.
A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre disponibiliza um exame do tipo PCR, que pode ser feito na emergência ou até mesmo sem sair de casa. É uma técnica "in house", desenvolvida no próprio hospital, em conformidade com diretrizes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.
O exame pode ser feito por quem chega com sintomas respiratórios (os pacientes suspeitos são atendidos no Pavilhão Pereira Filho), mesmo que não haja necessidade de internação. O resultado fica disponível na internet no prazo de 24 a 48 horas. Além disso, o complexo hospitalar lançou há uma semana um serviço de coleta domiciliar, com agendamento por telefone, sem necessidade de requisição médica.
A empresa que realiza a coleta em casa tem capacidade de 50 atendimentos por dia. O custo do PCR, conforme o município de residência, é de R$ 400 a R$ 470. O serviço é oferecido apenas para pacientes particulares.
— O recomendado é que a pessoa esteja com sintomas. O PCR não serve para quem não tem sintomas ou para quem teve sintomas no passado — esclarece Alessandro Pasqualotto, do Laboratório de Biologia Molecular da Santa Casa.
A instituição tem capacidade de realizar 400 testes por dia (apesar da dificuldade de obter insumos), e tem feito uma centena deles.
Entre os laboratórios privados, também há opções. O Endocrimeta está aplicando um PCR, com agendamento prévio, presença de sintomas e solicitação médica. Já o Laboratório Bioanálises oferece testes de dois tipos: o PCR e um teste para anticorpos do vírus. O agendamento pode ser feito de forma online. GaúchaZH tentou obter mais informações, mas nenhum dos dois laboratórios deu retorno.
O Grupo Fleury, que detém o laboratório Weinmann, desenvolveu um teste PCR próprio. O Weinmann informou, no entanto, que esse exame não está sendo aplicado em suas unidades, mas apenas em hospitais parceiros. O Moinhos de Vento é um dos estabelecimentos que estão utilizando esses exames, mas somente em pacientes com indicação de internação. Paulo Pitrez, coordenador institucional de pesquisa do hospital, afirma que as amostras são remetidas para o Grupo Fleury em São Paulo e que os resultados saem em cerca de quatro dias.
O Moinhos de Vento espera acelerar o processo e abrir o leque de pacientes atendidos em breve. Está construindo um laboratório em caráter emergencial para realizar exames PCR dentro das próprias instalações, o que deve acontecer a partir da semana que vem. A expectativa é realizar 190 testes por dia, que poderão ser solicitados por particulares. Já foram adquiridos 2 mil kits.
O hospital também comprou 2 mil testes rápidos, que detectam anticorpos, para uso principalmente em seus profissionais, de forma a auxiliar em decisões sobre quem pode trabalhar com segurança e quem deve ficar em isolamento.
— Antes de usar, tivemos o cuidado de testar, porque ninguém sabe se funciona ou não funciona. Testamos 78 pessoas, e os resultados, em termos de especificidade e confiabilidade, foram bons. Apenas 10% a 15% dos pacientes que tiveram o vírus deram negativo — diz Pitrez.
O Hospital Mãe de Deus informou que está fazendo PCR para pacientes com sintomas de síndrome gripal, junto ao Weinmann (área privada) e ao Lacen (área pública). O hospital também dispõe de exames imunológicos, a partir de coleta de sangue, para detecção das imunoglobulinas que o organismo produz após o contato com o coronavírus. O Mãe de Deus diz que não está utilizando testes rápidos.