O governo federal distribuirá 323,4 mil cestas para atender populações vulneráveis — índios, quilombolas e assentados — durante a pandemia do coronavírus. Não há previsão, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de realização de novas compras até o fim deste ano.
Em 2013, primeiro ano com dados disponibilizados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o governo forneceu a famílias vulneráveis 1,6 milhão de cestas — o maior registro da série. Foram 1,16 milhão em 2015. Desde então, a distribuição não havia superado mais a marca de 1 milhão de cestas. Em 2017, houve a menor oferta de cestas: 273 mil.
São oito itens, que pesam até 22 quilos. As cestas têm feijão, óleo de soja, macarrão, fubá ou flocos de milho, mandioca ou farinha de trigo, arroz, açúcar e leite em pó. O custo é de aproximadamente R$ 90, e elas só chegam às comunidades em maio.
A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) esteve presente no lançamento do projeto Brasil Acolhedor, que auxiliará também pessoas em situação de rua, com deficiência e idosos que vivem em asilos em uma segunda etapa da ação.
— Todas as aldeias, inclusive as comunidades isoladas, serão alcançadas com os atendimentos neste momento — afirmou a ministra, na coletiva realizada no Palácio do Planalto.
A ação do governo Jair Bolsonaro faz parte da Ação de Distribuição de Alimentos (ADA) e tem como objetivo a aquisição de alimentos para atender, em caráter emergencial e complementar, famílias que se encontram em situação de insegurança alimentar e nutricional. A ação é executada em parceria com a Conab, que recebe recursos de outros ministérios para a compra dos itens.
A ADA também pode ser usada em situações emergenciais, como no caso da pandemia, para atender beneficiários inclusos no Cadastro Único. Nesta etapa, este grupo não vai ser atendido. A menor distribuição em números absolutos ocorreu em 2017, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer. O governo entregou apenas 273 mil cestas básicas naquele ano.
De acordo com técnicos ligados ao Ministério da Cidadania, que fazia parte do antigo Ministério de Desenvolvimento Regional — responsável por centralizar os pedidos nos anos antes da gestão Bolsonaro —, o número de cestas distribuídas em 2017 foi afetado por causa de restrições orçamentárias. Naquele ano, o país acabava de sair de dois anos de recessão econômica e, para atingir a meta fiscal e garantir um crescimento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo Temer bloqueou quase R$ 45 bilhões em despesas não obrigatórias.
A medida afetou diretamente a distribuição de cestas básicas. O patamar foi o mais baixo da série histórica da Conab à qual a reportagem teve acesso.
O segundo momento em que o governo distribuiu uma quantidade menor de alimentos a comunidades vulneráveis foi em 2019. Durante o primeiro de governo Bolsonaro, foram distribuídas 286 mil cestas básicas. O atual presidente é crítico de ações sociais em terras indígenas e áreas quilombolas. O presidente defende a exploração mineral e comercial de reservas e já foi acusado de racismo em 2017 por insultos a quilombolas.
— Fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles — disse Bolsonaro, na ocasião, durante palestra no Clube Hebraica, em Laranjeiras, zona sul do Rio.
No ano passado, um processo sobre o caso foi encerrado, e Bolsonaro absolvido por desembargadores federais do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Prevaleceu o argumento de que o presidente, na época deputado federal, gozava de imunidade parlamentar para quaisquer "palavras, votos e opiniões" ligados ao exercício do mandato e, por isso, não poderia ser condenado.
De acordo com técnicos das áreas sociais ouvidos pela reportagem na condição de anonimato, dois fatores explicam os números baixos na distribuição de cestas neste ano. O primeiro é o maior foco na distribuição de renda direta às famílias por meio de programas sociais, como o Bolsa Família e do repasse emergencial de R$ 600.
O segundo fator foi uma mudança no olhar da gestão social, que começou a ser implementado a partir do governo Temer, em 2016, e foi aprofundada com Bolsonaro. Técnicos afirmam que há uma "má vontade" em manter determinadas políticas assistenciais no governo.
Na contramão de Bolsonaro, governos estaduais e de capitais do país preferem investir recursos emergenciais na distribuição de comida. A entrega de cestas básicas tem superado a transferência direta de renda na escolha das autoridades locais.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o governo estadual prevê gastar mais de R$ 100 milhões na compra de 1 milhão de cestas básicas com recursos públicos e privados. Ao menos outros sete estados e 11 capitais vão distribuir kits de alimentos para famílias pobres. Outros entes preveem o uso de um cartão alimentação.
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que os valores a serem distribuídos são em caráter excepcional e "não se confundem nem substituem a política de aquisição e distribuição de alimentos" desenvolvida ao longo ano. A pasta afirmou que, no momento, não há previsão de novas compras, uma vez que os povos e comunidades tradicionais mais vulneráveis serão atendidos por essa iniciativa.