O que se sabe sobre o poder de disseminação do novo coronavírus, especialmente em ambientes fechados, ganhou novos contornos com a descoberta de que o vírus sobreviveu nas cabines de um navio por 17 dias após saída de passageiros. Relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, o equivalente norte-americano ao Ministério de Saúde no Brasil, indica que o RNA viral (material genético do Sars-Cov-2, vírus que causa a covid-19) foi detectado nas cabines do Diamond Princess — um cruzeiro que ficou duas semanas ancorado no porto de Yokohama, no Japão, em uma espécie de quarentena coletiva — mesmo semanas após a embarcação ser completamente esvaziada. O que isso demonstra em relação à sobrevivência do vírus?
A capacidade do novo coronavírus de resistir fora de um hospedeiro não pode ser subestimada. Um estudo publicado em 17 de março em uma das mais tradicionais revistas científicas do mundo, a New England Journal of Medicine, dos Estados Unidos, revelou que a estabilidade do vírus nas superfícies depende do tipo de material na qual ele foi depositado. No plástico, por exemplo, a sobrevida pode chegar a três dias. O resultado da pesquisa revelou ainda que a transmissão da pandemia por espirro ou tosse — chamada de forma aerossolizada de propagação — é "plausível, uma vez que o vírus pode permanecer viável e infeccioso" no ambiente por um período de até três horas, apontam os cientistas.
— O vírus normalmente acaba mantendo-se apenas segundos em superfícies, porque a gente tosse, espirra, a gotícula se rompe e o vírus fica mais exposto no ar. Aí ele rompe, porque depende do hospedeiro. Mas se tiver alguma situação em que se tenha uma quantidade de secreção maior, mais umidade, mais calor, isso é um meio de alimento para o próprio vírus durar mais tempo — indica o infectologista Jean Gorinchteyn.
O RNA "foi identificado em uma variedade de superfícies em cabines de passageiros infectados sintomáticos e assintomáticos até 17 dias depois que as cabines foram desocupadas no Diamond Princess, mas antes dos procedimentos de desinfecção", explicou o CDC. O órgão de saúde norte-americano acrescentou que a descoberta não significa necessariamente que as pessoas se infectaram através do contato com superfícies contaminadas e que devem ser realizados estudos mais aprofundados sobre o assunto para determinar a cadeia de transmissão.
O que se sabe é que os coronavírus são particularmente resistentes em termos de onde podem sobreviver. Clóvis Arns da Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explica que, na dúvida, higienizar as mãos continua sendo a melhor medida preventiva ao tocar objetos de uso público ou coletivo.
— São fundamentais questões como a limpeza e desinfecção do ambiente. Manter o local ventilado. Higiene no preparo dos alimentos. Evitar aglomerações e lavar as mãos com água e sabão ou higienizar as mãos com álcool gel antes de comer. Não sabemos se esses cuidados não foram tomados (no cruzeiro) ou como o vírus circulou por tanto tempo lá, mas esses cuidados são os mesmos em qualquer situação.
Também sem encontrar explicações claras sobre a sobrevivência do vírus tanto tempo após a saída de passageiros do cruzeiro, os pesquisadores do CDC reforçaram a orientação de evitar viagens de navio durante a pandemia: "O covid-19 em cruzeiros representa um risco de rápida transmissão da doença em uma população vulnerável, e são necessários esforços agressivos para conter a disseminação", escreveram os cientistas, concluindo que "embora esses dados não possam ser usados para determinar se a transmissão ocorreu a partir de superfícies contaminadas, é necessário um estudo mais aprofundado sobre a transmissão de SARS-CoV-2 a bordo de navios de cruzeiro".
Os infectologistas ponderam, porém, que a presença de material genético do vírus no navio não garante que novas infecções poderiam acontecer após tanto tempo: não é possível afirmar, por exemplo, que alguém utilizando as cabines do Diamond Princess duas semanas depois ainda poderia contrair covid-19.
Dos 3.711 ocupantes do navio, entre passageiros e tripulantes, pelo menos 712 foram infectados — quase 20% do total de pessoas a bordo. Desses, sete morreram. Cerca de 46,5% dos casos detectados (o equivalente a 331 pessoas) não apresentava sintomas, e ainda assim estava com o vírus. Após a coleta dos pesquisadores, uma equipe realizou um trabalho de limpeza e descontaminação da embarcação.