Diana Corso*
A sociedade em que vivemos está mais para castas do que para classes. Nela, a desgraça está destinada a alguns, enquanto outros têm inclusive o privilégio de ignorá-la. A atual contaminação não somente ignora essas fronteiras como começou vitimando aqueles cujo poder aquisitivo fazia supor que tinham o corpo fechado, os lugares higiênicos e os recursos médicos para se proteger.
Frente a esse vírus, não há privilegiados. Talvez a experiência dessa trágica igualdade ensine um pouco sobre o preço de viver sem pensar nos menos favorecidos. Não há como sair dessa sem pensar em saúde pública, no sentido de todos contribuírem para diminuir a disseminação da doença. Somente investimentos públicos maciços podem garantir mais vidas, assim como atitudes coletivas de consciência e solidariedade. Ninguém tem como se dar bem sozinho nesta. Espero que saiamos desta confusão, os que sobrevivermos, com o egoísmo individualista no mínimo abalado.
Tendemos à onipotência e os poderes imaginários que atribuímos à tecnologia, ao mundo digital. Suas supostas maravilhas parecem colocar a humanidade aos pés da máquina e dos que melhor a utilizam. Até que tropeçamos na realidade do corpo, da morte, de todas as limitações que a fantasia digital vende como transponíveis. Descobrimo-nos, então, dependendo da verdadeira ciência, que pode até beneficiar-se muito de recursos tecnológicos (que ela mesma criou), mas em seu trabalho é cautelosa e lenta. Suas descobertas salvam e transformam vidas, mas ela não é mágica. Não nos acomodamos bem com a medida humana das coisas, desejamos crer em poderes divinos, certezas eternas, só assim nos sentimos seguros. Por isso mantemos uma relação ambivalente com os que possuem os conhecimentos dos quais neste momento dependemos para sobreviver. Acredito que todo esse sofrimento possa diminuir a paixão pela ignorância e o desprezo aos estudiosos.
Na relação com a natureza, deve acontecer negociação semelhante. As plantas e os animais não podem ser convertidos em bens para nosso uso indiscriminadamente. Quando um desequilíbrio como um vírus animal dizima humanos, torna-se visível nossa fragilidade frente à natureza poderosa e autônoma em seus desígnios. É possível negar os efeitos de nossa intervenção irresponsável, pois carece algum raciocínio para ligar nossos atos de agressão ao ecossistema às desgraças que eles provocam. Já uma pandemia, como o coronavírus, deixa explícita a fragilidade desses animais tão prepotentes que são os humanos. Talvez aprendamos, se não a respeitar, pelo menos a temer a natureza.
*Psicanalista e escritora, coautora dos livros Fadas no Divã e A Psicanálise na Terra do Nunca
Que sociedade vai emergir da pandemia?
"Gostaria de acreditar que uma sociedade mais unida, mais integrada, mais empática. Certamente o coronavírus não irá transformar o mundo, tampouco a imensa diversidade tão complexa dos seres humanos. Mas ele já está nos relembrando que somos um planeta único, um sistema integrado, que o ser humano é igualmente vulnerável sendo chinês ou americano, com mais ou menos dinheiro, branco ou negro. O vírus também nos lembra que ser humano consegue rapidamente se articular, buscar respostas, mas que também sobrevive se desacelerar, que tem capacidade de se preocupar e cuidar e acima de tudo ser criativo e pode cantar e brincar. Que isso permaneça! Que não seja um privilégio só dos tempos de crise!"
Giuliana Chiapin, psicóloga
"É importante que uns tentem ajudar os outros. Vivemos tempos que requerem solidariedade. Solidariedade é o contrário do neoliberalismo que há anos e anos buscam nos impor. Tudo o que aprendemos sobre Estado mínimo estava errado. Imaginar o amanhã é o desafio que passa por aprender já o quão decisivo são a educação pública a saúde pública, com o fantástico SUS que os últimos governos vêm atacando ao minguar as verbas. A hora não é de fanatismo político ou religioso, a hora é dos cientistas desenvolverem novas vacinas, e a hora é dos artistas que precisam inventar como chegar aos seus públicos pelas redes sociais. A hora é de a civilização crescer, amadurecer e mobilizar suas forças de integração, ao contrário dos últimos anos, nos quais Trump e outros líderes fizeram guerra. O vírus, hoje, adoece, às vezes mata, gera tristeza, mas novos caminhos serão criados como foram no passado. De algo estou seguro: os mais ricos, os ricos e os letrados ou não têm de aprender mais sobre a importância da solidariedade. É tempo de aprender que o futuro da humanidade passa pela solidariedade e não por acumular milhões e bilhões como o triste Tio Patinhas."
Abrão Slavutzky, psicanalista
"Uma coisa é uma sociedade que gostaria que emergisse: mais solidária, mais consciente da sua responsabilidade com o coletivo, que desse mais valor a investimentos de longo prazo, como atenção a saneamento, saúde básica e educação, em vez de deixar-se guiar pela montanha-russa dos mercados financeiros. Tenho minhas dúvidas de que isso mude por essa crise que, embora de dimensões globais, ao que tudo indica deve passar em questão de meses. Talvez saiamos dela como uma sociedade que lava mais as mãos, usa mais álcool gel, beija menos e evita aglomerações _ ao menos por um tempo. Não sei se as marcas dessa crise serão profundas o suficiente para haver mudanças radicais; desejo que sim, desconfio que não. Tem circulado na internet um vídeo de cinco anos atrás no qual, após a crise do Ebola – mais letal, mas menos contagioso –, Bill Gates alertava para os perigos de uma outra epidemia viral e desenhava estratégias relativamente simples, mas importantes de serem adotadas pelos governos. Não aconteceu."
Paulo Gleich, psicanalista