Uma instituição de 32 anos é a principal esperança do Brasil contra a pandemia de coronavírus: o Sistema Único de Saúde (SUS). A avaliação não é apenas de infectologistas e estudiosos, mas do nome mais importante do país na definição de políticas públicas de saúde, o ministro Luiz Henrique Mandetta.
O Brasil ultrapassou os cem casos na sexta-feira (13), seis no Rio Grande do Sul. Já há transmissão comunitária – quando se torna impossível reconhecer a origem da infecção – no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Não é possível, ainda, dizer que o país enfrentará um cenário caótico como na Itália. O Brasil vive um momento crucial, e cuidados de higiene são essenciais para conter o avanço da doença. Sabe-se que haverá novos casos: estima-se que uma pessoa com coronavírus infecte três, enquanto a taxa da gripe H1N1 era de um para 1,5. Mandetta já previu que "as próximas 20 semanas serão duras".
A favor do Brasil está o fato de ser a única nação do mundo com mais de 200 milhões de habitantes a oferecer atendimento gratuito de saúde. Países como Inglaterra, Canadá e Suécia têm seus SUS, mas lidam com populações bem menores. Nos Estados Unidos, cerca de 27 milhões de pessoas sem convênio precisam pagar entre R$ 2 mil e R$ 5 mil por um teste para coronavírus.
O SUS atinge todas as regiões do país e tem grandes especialistas. Um país sem sistema de saúde estruturado precisa partir do zero para responder uma emergência. Não é nosso caso.
DEISY VENTURA
Professora da USP
— O Brasil é um dos países mais bem preparados por ser um dos raros com sistema de saúde público de acesso universal e gratuito. O SUS atinge todas as regiões do país e tem grandes especialistas. Um país sem sistema de saúde estruturado precisa partir do zero para responder uma emergência. Não é nosso caso. Nossa rede atinge milhares de municípios — avalia Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
Perspectivas
Conforme dados internacionais, cerca de 80% dos casos terão sintomas leves (febre baixa, tosse, dor de garganta e coriza) sendo resolvidos com consulta no posto de saúde e duas semanas de descanso em casa. O desafio são os outros 20% que vão exigir internação hospitalar e concorrer por leitos ao lado de outras urgências do dia a dia. Destes, 5% precisarão de camas em UTIs, segundo estudo do governo chinês. Em sua maioria, idosos e pessoas com doenças crônicas, como diabéticos, cardiopatas e imunodeprimidos.
Previsão do Instituto Pensi, vinculado à Fundação José Luiz Egydio Setubal, projeta que o Brasil pode necessitar de 2,1 mil leitos hospitalares, dos quais 525 em UTI, nos próximos dias. O Ministério da Saúde anunciou que irá direcionar 2 mil camas de emergência para o coronavírus.
Passaremos por dificuldades caso se repita o que vem acontecendo em outros países. Nem todos os hospitais têm capacidade e equipamentos para atender a esse tipo de paciente.
ALEXANDRE ZAVASCKI
Chefe da Infectologia do Moinhos de Vento
— Passaremos por dificuldades caso se repita o que vem acontecendo em outros países. Nem todos os hospitais têm capacidade e equipamentos para atender a esse tipo de paciente. Na Itália, um caso não foi diagnosticado em um primeiro momento, foi internado sem medidas de proteção e transmitiu para funcionários e pacientes. Para não cometer esse erro, precisaremos de material – afirma Alexandre Zavascki, chefe da Infectologia do Hospital Moinhos de Vento e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). — Aí, entra o desafio do ministério: dar condições para hospitais do SUS fazerem atendimento com proteção para os profissionais — completa.
O país tem cerca de 16 mil leitos adultos no SUS, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira. A taxa média de ocupação é de 95%. Em cenário de pandemia, a entidade estima aumento de 20% da demanda.
Crise
O SUS enfrenta um problema estrutural, apontam analistas: a falta de dinheiro. Após a aprovação do teto de gastos, em 2016 pelo governo Michel Temer, o sistema deixou de receber R$ 20 bilhões, segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS).
É quatro vezes mais do que o ministro Mandetta pediu ao Congresso para combater o coronavírus. Enquanto isso, de 2014 a 2019, cerca de 3,5 milhões de brasileiros ficaram sem plano privado e a passaram a recorrer ao SUS, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que aumenta a demanda.
– Vivemos há cinco anos com fortes restrições orçamentárias no SUS e uma crise econômica. Parte da população está desempregada e perde o plano de saúde, o que gera uma pressão sobre o SUS. Temos menos dinheiro e mais gente para atender. É uma conta que não fecha. Essa redução de recursos certamente impacta na oferta de serviços – analisa Dário Frederico Pasche, professor do curso de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Até agora, o Ministério da Saúde vem sendo elogiado por especialistas e, inclusive, políticos da oposição, pela transparência e pelas medidas de saúde pública tomadas antes de o coronavírus se espalhar, de vez, entre os brasileiros.
— É tomando medidas antes da transmissão sustentada que o coronavírus terá menos efeito. Se fizermos tudo isso, conseguiremos mitigar o problema. Se começássemos a agir só quando a transmissão ocorrer livremente, chegaríamos atrasados. A gente vê que o Ministério está engajado. Minha dificuldade é saber se todas as ações vão resultar em melhoria nos atendimentos — acrescenta Zavascki.
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