Refeições no quarto, avaliações médicas duas vezes ao dia, conversas com os colegas de quarentena nas áreas comuns do alojamento, vídeos no YouTube, livros. É assim que têm se preenchido os dias da administradora de empresas maranhense Indira Santos, 34 anos, na Base Aérea de Anápolis, em Goiás, para onde foram levados os brasileiros retirados de Wuhan, na China, foco principal da epidemia de coronavírus. Com exceção dos momentos em que está sozinha em seu dormitório, Indira precisa usar máscara o tempo inteiro e em qualquer interação com os demais. As recomendações gerais são para que os repatriados, que até agora não apresentaram sintomas da doença, evitem se aglomerar ou chegar muito perto uns dos outros e lavem as mãos com frequência.
Quase uma semana depois de desembarcar no Brasil, no último domingo (9), Indira, doutoranda em Economia na Universidade de Ciência e Tecnologia de Huazhong, ainda reclama do cansaço decorrente da troca de fuso horário (a diferença é de 11 horas) e do voo de 37 horas. Mas o que predomina é a sensação de alívio.
— Estou bem, graças a Deus. Os primeiros dias foram de descanso, de se recuperar de todo o estresse emocional. Agora estamos nos reanimando — contou Indira em entrevista a GaúchaZH, por telefone, na manhã desta sexta-feira (14).
Pelo relato de Indira, o dia a dia das 58 pessoas isoladas em Anápolis é tranquilo. Há áreas para caminhar e tomar sol, além de espaço com brinquedos para as crianças. Em breve, a Força Aérea Brasileira (FAB) deve começar a oferecer aulas de educação física. Famílias compartilham um mesmo quarto, enquanto os demais ficam em cômodos individuais. As refeições são oferecidas em sistema de bufê – cada um se serve à vontade, mas os alimentos devem ser consumidos nos quartos, já que ninguém pode circular sem máscara, que precisa ser retirada na hora de comer.
Equipes de saúde examinam todos os hóspedes duas vezes ao dia (inicialmente, eram três as avaliações diárias). A conversa com a reportagem foi interrompida por uma batida na porta: um capitão e um sargento passavam para verificar a temperatura e o estado geral da universitária. Questionaram-na sobre a presença de secreção nasal, tosse ou espirros, funcionamento intestinal, disposição. Tudo normal. Indira falou que ainda sentia cansaço.
— Foi um voo extremamente longo e acrescido de muita ansiedade e medo — tranquilizou-a um dos militares.
Logo em seguida, uma camareira perguntou se a viajante gostaria de uma limpeza no local. Indira pediu "só uma vassourinha" e aproveitou para comentar com a repórter:
— Estamos bem contentes e comovidos com o carinho, a atenção, a gentileza. Estou me sentindo bem cuidada, o que é muito bom.
Todos que participaram da missão de resgate no país asiático, incluindo tripulantes, médicos e diplomatas, estão isolados na cidade goiana. Em sua segunda temporada na China – o mestrado também foi realizado lá –, Indira já conhecia diversos dos estudantes que embarcaram nos dois aviões da FAB no dia 7. Com outros, comunicava-se pelas redes sociais.
— Agora estamos pegando mais amizade aqui. Estamos passando por tudo isso juntos e desenvolvendo mais proximidade. Apesar da quarentena, não estamos isolados. Todas as áreas de conversa são bem espaçosas, arejadas, isso também ajuda — relata.
Como mora sozinha em um dormitório do campus da instituição de ensino chinesa, Indira estava totalmente sozinha desde 23 de janeiro, quando foi decretada a quarentena em Wuhan. Não houvesse eclodido a epidemia, a maranhense teria embarcado tranquilamente para o Brasil dois dias depois, para aproveitar as férias com os familiares em São Luís, depois de um ano e meio separados. Quando ouviu boatos de que a megalópole de 11 milhões de pessoas seria interditada, tentou antecipar sua saída, comprando uma passagem para Xangai na manhã do dia 23, mas já era tarde.
— Conseguiu sair? — questionavam os pais, aflitos, a milhares de quilômetros de distância da primogênita.
— Não — respondeu a filha, que não conteve o choro.
Enquanto ainda podia circular, Indira temia tocar nos produtos do supermercado. Quando até a saída dos dormitórios foi proibida, passou a se alimentar somente do que funcionários da universidade lhe entregavam na porta.
— Era uma paranoia, com medo de tudo. Será que aqui onde estou realmente é seguro? Será que realmente estou num local seguro ? Será que estou sendo exposta e não estou sabendo? São situações que ficam rodando na sua cabeça sem parar — relatou.
Além de livros essenciais para o curso acadêmico, que define como "bem puxado", Indira trouxe na mala dois títulos de ficção. Passado o período de maior angústia, ela gosta de relaxar assistindo a filmes e séries, além de resenhas de "booktubers", aficionados por livros que falam de suas leituras no YouTube. Também procura outros vídeos de amenidades na plataforma online.
— Besteirinhas. Para ficar com a cabeça leve, para não ficar pirando muito — justificou.
Os hóspedes da base aérea estão aguardando orientações das autoridades sobre como será a saída, prevista para 27 de fevereiro, depois de 18 dias de quarentena, período em que sintomas respiratórios de eventuais infectados pelo coronavírus podem se manifestar. A única certeza de Indira, por enquanto, é o reencontro com os pais – um administrador de empresas e uma dona de casa – e o irmão, mais novo. Sobre a continuidade dos estudos na Ásia, onde é bolsista com financiamento integral provido pelo governo chinês, ela nutre uma série de dúvidas. Os demais alunos que estão na base compartilham as mesmas incertezas.
— E agora? O que será que vai acontecer? Será que a gente continua tendo bolsa, será que não? Será que nosso curso continua, será que não? Bate um nervoso, uma incerteza, uma ansiedade. O que que vai ser?