Durante duas horas, o rigoroso silêncio imposto nos arredores da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre deu lugar a uma alegria inaudita na tarde deste domingo (1), com médicos, pacientes, enfermeiros e acompanhantes celebrando em alto e bom som a solidariedade do Natal. Em sua 8ª edição, o Natal na Praça reuniu dezenas de pessoas em torno de um Papai Noel que não distribuiu presentes, mas espalhou esperança e emoção para quem vive a desgastante rotina de uma internação hospitalar.
Para o militar Eliton Goulart, 26 anos, o evento realizado no pátio da Santa Casa representa um pequeno alívio em meio às preocupações com a recuperação do pequeno Matheus, de dois anos e cinco meses. Operado em junho de tumor no cérebro, o garoto voltou a ser hospitalizado há 20 dias por conta de uma infecção em uma válvula.
- Para nós, significa um respiro nesse dia a dia cansativo. Ajuda inclusive na autoestima, pois ele fica muito deprimido sozinho no quarto, sem contato com outras crianças - comenta.
Ao redor de Eliton, o sentimento era praticamente o mesmo. Pais, mães e familiares aguardavam com os filhos no colo, ou em cadeiras de rodas, o começo das festividades. Quando surgiram no palco os cantores do Coral Show Canarinhos de Garibaldi, dançando, cantando e sobretudo provocando sorrisos no rosto das crianças, foi raro não ver um adulto comovido.
Sentada na segunda fileira, a manicure Daniela da Luz cantou todas as músicas e participou das brincadeiras, sempre animando o filho Cauê, sentado na poltrona da frente. Aos 14 anos e em tratamento de leucemia, Cauê está internado desde junho. Faz tempo que já não acredita mais em Papai Noel e não demonstrou grande efusão quando a mãe disse que teria uma festinha de Natal no pátio do hospital. Em meio à cantoria, porém, lá estava ele batendo palmas e sacudindo os pés, tomado pela alegria involuntária que nos assalta o coração nesta época do ano.
- Para ele, é um momento de distração. Sai um pouco dessa preocupação com a doença e se diverte - afirma Daniela.
Realizado pela Santa Casa em parceria com o Museu de História da Medicina e o Sindicato Médico do Estado (Simers), o Natal na Praça é aberto à comunidade, mas o público alvo é justamente quem vive as agruras e incertezas de uma internação. Dias antes do evento, os médicos e enfermeiros do Hospital da Criança Santo Antônio fizeram um levantamento prévio das condições de cada paciente, tentado permitir a todos o acesso às dependências externas do prédio. Havia crianças cardiopatas, com câncer, leucemia e problemas respiratórios, entre várias outras moléstias, de zero a 17 anos, celebrando o Natal entre estranhos, mas em comunhão.
- Eles estavam numa expectativa tão grande. Ficaram os últimos dias só falando nisso. Muitos não saem do hospital há seis meses - conta a enfermeira Daiane Vasconcellos.
Durante as apresentações artísticas, a pequena Antonella Chinasso praticamente não saiu da beira do palco. Aos oito anos, a menina se maquiou especialmente para a festa e não desgrudou do celular, gravando vídeos para seu canal no YouTube. Enfrentando uma recidiva de câncer nos rins, o chamado Tumor de Wilms, a menina tem pela frente sete meses de quimioterapia. Mas não havia tratamento longo que desmanchasse o sorriso do seu rosto no fim de tarde de domingo.
- Tá muito bom. A gente fica mais animada. O dia inteiro tinha que ser assim no hospital, feliz e com animação - suspirou Antonella, antes de posar para fotos ao lado do Papai Noel e subir de volta para o quarto.