A destruição de células cancerígenas é o foco de uma pesquisa feita no Departamento de Química Inorgânica da Universidade Federal Fluminense (UFF). Caso tenha sucesso, o estudo permitirá a criação de um fármaco que ataque somente as células que tenham o tumor, e não as sadias, que hoje também são afetadas pelos medicamentos.
Os estudos in vitro (em laboratório), coordenados pela professora Célia Machado Ronconi, utilizaram células de câncer de mama de uma mulher de 69 anos, em parceria com o Instituto Nacional do Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca).
— A gente sabe que os fármacos de câncer não são seletivos. Eles atacam tanto a célula tumoral quanto a sadia — disse Célia Ronconi.
A ideia do grupo foi desenvolver um mecanismo em que o fármaco só fosse liberado na presença da célula tumoral, "para ver se o protótipo ia funcionar". A saída foi aproveitar que as células de câncer possuem pH (potencial Hidrogeniônico) mais ácido do que as saudáveis – de 4,5 a 5,5, enquanto nas saudáveis têm pH médio de 7 – para criar um reservatório em escala nanométrica que só abrisse a válvula quando entrasse em contato com um pH ácido.
PH ácido
— Na superfície desse material, nós colocamos grupos que reagissem a esse pH mais ácido, de maneira que a tampa se soltasse — contou a pesquisadora.
Em uma linguagem mais simples, isso quer dizer que a tampa só abre quando o meio está ácido, ou seja, quando ele chega à célula tumoral.
Os ensaios in vitro, em que os pesquisadores cresceram as células isoladas de câncer, resultaram em estudos de viabilidade celular, para ver o quanto esse dispositivo, carregado com o fármaco, seria tóxico para essas células.
— Deu um resultado bem surpreendente. A gente conseguiu redução de 92% na viabilidade celular. Ou seja, ele matou 92% das células de câncer de mama.
Célia chamou a atenção para o fato de que o fármaco usado puro, na mesma concentração, matou só 70% dessas células.
— O nosso sistema foi mais tóxico (para as células cancerígenas), carregado com o fármaco.
Puro, o fármaco apresentou baixa toxicidade. Os pesquisadores pretendem investigar por que o efeito do fármaco é maior no nanoreservatório do que o fármaco puro.
Ensaios in vivo
A próxima etapa da pesquisa deverá ser iniciada em 2020 e envolve não só ensaios com células sadias, mas também in vivo, isto é, com animais, usando camundongos imunodeficientes. Há ideia também de fazer ensaios com outros tipos de câncer.
Célia afirmou que o resultado obtido até agora é muito promissor e anima os pesquisadores a seguir adiante com os estudos. Somente após a realização de todos os estudos, será possível afirmar que o nanoreservatório poderá ser utilizado no tratamento de pacientes com câncer.
— Ainda falta muita coisa para ser feita. Tem um protocolo a ser seguido — lembrou. — Mas os resultados foram muito promissores.
Tumores localizados
A pesquisa trabalha com a perspectiva de o nanoreservatório poder ser injetado no corpo humano para atuar em tumores mais localizados, onde liberaria seu conteúdo, que é o fármaco. Célia admitiu que isso pode ocorrer, mas insistiu que essa possibilidade ainda não foi estudada a fundo.
— Haveria essa possibilidade. Mas não estudei isso ainda.
A pesquisa levou aproximadamente dois anos e foi parte do trabalho de doutorado de Evelyn Santos, aluna da UFF. Um artigo sobre os resultados dos ensaios in vitro foi publicado pelo grupo pesquisadores na última semana, na revista britânica Journal of Materials Chemistry B, da Royal Society of Chemistry, sociedade fundada em 1848. O grupo reúne pesquisadores da UFF, do Inca e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). O estudo recebeu investimentos da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj).