Encontrar na Farmácia de Medicamentos Especiais do Estado o remédio para controlar os sintomas da doença de Crohn, que ataca o sistema digestivo, virou uma loteria para o técnico em segurança do trabalho Leonardo Soares das Neves, 27 anos. Ele relata que, desde o ano passado, a disponibilidade da azatioprina se tornou irregular: em alguns meses, está disponível gratuitamente à população, em outros, não, e sem informações sobre prazo de chegada.
Em janeiro e abril deste ano, ele teve de pagar do próprio bolso pelo medicamento, que deveria ser fornecido gratuitamente.
— Preciso tomar até quatro caixas por mês, a R$ 130 cada nas farmácias comerciais. Tenho que parcelar no cartão quando a entrega falha — conta Neves.
Ontem, depois de 30 dias de espera, conseguiu encontrar os comprimidos na Farmácia do Estado, que fica na Capital. Casos como esse têm sido frequentes no Rio Grande do Sul. Conforme entidades que representam portadores de doenças crônicas e raras, a oferta de medicamentos gratuitos está perigosamente irregular, causando transtornos e prejuízos aos enfermos. Algumas variedades esgotaram há meses.
— Desde o final do ano passado, tornou-se crítica a disponibilidade dos medicamentos gratuitos no Estado. O caso da Azatioprina é preocupante porque é um remédio muito comum para doenças intestinais — relata Rosana Peixoto, uma das diretoras da Associação Gaúcha de Doenças Inflamatórias Intestinais (AGADII).
Andrea Silveira de Araújo, presidente da Associação Regional de Esclerose Lateral Amiotrófica (Arela-RS), afirma que a entrega dos medicamentos pela SES a municípios da Região Metropolitana é falha, e muitos doentes de cidades como Sapucaia do Sul e Cachoeirinha precisam deslocar-se até a Capital para fazer a retirada – sob risco de voltarem de mãos vazias:
— Até produtos que não costumavam ter problemas de entrega, como as dietas enterais (que são inseridas por sonda) passaram a faltar. A escassez está grande.
Entidades cobrarão governo do estado
A situação preocupa tanto que, no próximo dia 15, as entidades se reunirão, pela segunda vez em dois meses, em audiência na Assembleia Legislativa. O encontro será mediado pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente. A expectativa é de que o governo do Estado explique como resolverá os problemas de oferta e se comprometa a ser mais assertivo com informações sobre prazos de chegada.
Conforme as entidades, há duas frentes ineficientes: a SES e o Ministério da Saúde, que se responsabilizam por compra e distribuição dos medicamentos. No caso do grupo de remédios sob responsabilidade do governo federal, a situação preocupa tanto que o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) encaminhou um ofício ao Ministério da Saúde, em março, alertando para a situação dos estoques públicos em todos os Estados da federação. Do total de 134 remédios distribuídos obrigatoriamente pelo ministério, 24 não foram entregues na sua totalidade e outros 13 se esgotariam em breve.
Ministério diz que está tomando providências
Em nota, o ministério informa que “desde janeiro, mantém esforços para regularizar o abastecimento de medicamentos adquiridos, de forma centralizada, uma vez que muitos processos não foram iniciados no tempo devido e, por isso, as entregas estão ocorrendo de modo intempestivo”.
Diz ainda que “a expectativa é de assinatura dos contratos de compra para regularização do abastecimento de grande parte dos fármacos ainda no mês de maio”.
A nota também informa que estão sendo adotadas medidas para evitar que a situação se repita, como “ampliação dos processos licitatórios de compra para abastecimento de, no mínimo, um ano, o que proporcionará maior condição de previsibilidade dos estoques (...). Antes, muitos processos eram para abastecimento de três a quatro meses” e outras emergenciais como “remanejamento de estoques e antecipação da entrega de medicamentos por laboratórios contratados”.
A reportagem solicitou à SES informações sobre a situação dos estoques e os prazos para regularização, mas não recebeu resposta até a publicação esta reportagem.