Em 1992, uma libanesa de 33 anos, que acabara de imigrar para o Canadá, foi ver um médico. Ela estava encurvada e tinha mobilidade limitada na parte inferior das costas, no pescoço, nos ombros e nos quadris. Seu médico, Raymond Lewkonia, da Universidade de Calgary, diagnosticou-a com espondilite anquilosante, uma condição médica que faz com que as vértebras da coluna se fundam.
Então, cerca de oito anos depois, a mulher teve uma série de fraturas: nas costelas, nos pés, no braço esquerdo e no quadril direito. Seu médico receitou suplementos de vitamina D, mas eles não surtiram qualquer efeito: exames laboratoriais revelaram que ela não tinha vitamina D circulando no sangue.
Isso parecia impossível. Afinal de contas, acredita-se que um pouco de vitamina D seja essencial para a manutenção da saúde dos ossos, e tomar suplementos após uma lesão ou fratura óssea é um procedimento comum para acelerar o processo de cicatrização. Por que não havia essa substância vital no sistema da mulher?
Um médico geneticista que examinou o caso, o dr. Patrick Ferreira, suspeitava que uma proteína que se une à vitamina D para que esta circule pelo corpo – ou a falta dela – poderia ter algo a ver com esse mistério médico. Mas perder a capacidade de transportar vitamina D seria letal para os humanos, de acordo com o que convencionalmente se sabe na medicina.
Ferreira decidiu testar sua hipótese, mas teve dificuldade em confirmar que a proteína que se liga à vitamina D estivesse realmente ausente no sistema da mulher. Ele e outros enviaram amostras de sangue para laboratórios na Europa e em Vancouver, mas os exames – que podem não ser confiáveis – apontaram que os níveis da proteína eram normais. Quando Ferreira se aposentou, passou o caso da paciente para seu colega, o dr. Julien Marcadier, geneticista clínico no Instituto de Pesquisa do Hospital Pediátrico de Alberta, agora o principal autor de um relato de caso publicado em março no "The New England Journal of Medicine".
Felizmente para Marcadier, pesquisadores da Universidade de Washington, em Seattle, haviam acabado de desenvolver um método mais sensível para detectar a proteína.
O dr. Andrew Hoofnagle e seus colegas concordaram em examinar a amostra de sangue e descobriram que não havia vitamina D, nem qualquer proteína que a ela se liga.
"Quando você pensa sobre a biologia da vitamina D, percebe que não dá certo. Essa pessoa não deveria estar viva", disse Hoofnagle.
Martin Hewison, endocrinologista molecular da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que não estava envolvido no estudo, disse que o caso é o primeiro de seu tipo.
Como poderia essa mulher ter vivido quase seis décadas sem uma substância considerada essencial à vida humana?
Enquanto a proteína de ligação sequestra a vitamina D no corpo, as moléculas não ligadas de vitamina D são, em última análise, importantes para o crescimento ósseo.
A quantidade de vitamina D necessária pode variar de acordo com o órgão.
JOANN MANSON
endocrinologista
"A quantidade de vitamina D necessária pode variar de acordo com o órgão", disse a dra. JoAnn Manson, endocrinologista e principal pesquisadora do Teste de Vitamina D e Ômega 3 no Hospital Brigham and Women's, em Boston. Nesse caso, a quantidade de vitamina D livre que a mulher recebia de sua dieta ou exposição ao sol pode ter sido suficiente para desenvolver seus ossos e mantê-los vivos.
E ainda há a questão de quanta vitamina D exatamente nosso corpo precisa, embora algumas pesquisas recentes sugiram que a dose pode não importar muito para a densidade mineral óssea, fraturas ou quedas para os idosos.
"Não acho que isso signifique a necessidade de menos vitamina D, mas simplesmente como o corpo pode se adaptar bem à quantidade limitada de proteína de ligação", disse a dra. Ellen Fung, diretora da Clínica de Densidade Óssea do Instituto de Pesquisa do Hospital Pediátrico de Oakland, na Califórnia. "Mas, em última análise, isso acabou lhe fazendo mal."
Por Wudan Yan