Quatro mulheres foram internadas terça-feira (19), no Hospital São Vicente de Paulo, em Três de Maio, no Noroeste gaúcho, após passarem por procedimento estético com laser. Eles foram realizados no mesmo centro clínico que reúne profissionais de diversas áreas na cidade de Três de Maio e com a mesma profissional, uma farmacêutica. Todas apresentavam os mesmos sintomas, o que reforça a hipótese de intoxicação pelo anestésico usado para o tratamento.
De acordo com o médico Jean Zanette, pneumologista da casa de saúde, os casos começaram a surgir entre 18h e 20h de terça, quando as pacientes procuraram a emergência do hospital. Elas apresentavam frequência cardíaca muito baixa, vômitos, estavam confusas e com a fala arrastada.
— Elas tinham um quadro compatível de intoxicação por lidocaína, que é um anestésico local passado na pele para evitar a dor. Todas fizeram o mesmo procedimento e usaram o mesmo creme — conta o médico, apontando a substância como principal hipótese para explicar os casos.
Uma das mulheres, de 42 anos, precisou ser internada na unidade de tratamento intensivo (UTI) em função do acúmulo de líquido no pulmão, que foi provocado pelos batimentos cardíacos e pressão muito baixos, explica Zanette.
— Ela não tinha doença prévia e é ativa — completa o pneumologista.
A paciente deve ser encaminhada para o quarto da instituição de saúde ainda nesta sexta-feira (22). As outras três mulheres já receberam alta hospitalar.
Busca no consultório
Na quarta-feira (20), após as denúncias, representante da Secretaria Municipal da Saúde de Três de Maio visitou o hospital São Vicente de Paulo para apurar os fatos e, após contato com a 14ª Coordenadoria Regional de Saúde, iniciou a apuração.
— Foi realizada uma busca no consultório (onde foram feitos os procedimentos) e efetuada a interdição do local — afirma a secretária municipal da Saúde, Gislaine Mella.
Na delegacia de Polícia Civil de Três de Maio, não houve nenhum registro referente ao fato até as 14h desta sexta-feira. Portanto, não há investigação policial sobre o assunto.
Durante a fiscalização, a lidocaína foi apreendida e foram verificadas e sinalizadas inconsistências na clínica, conforme explica o coordenador regional de Saúde da 14ª Coordenadoria, Valdemar Fonseca.
— Havia questões técnicas que não estavam de acordo. Quando a proprietária receber o auto de infração, terá 15 dias para realizar a defesa. Nesse caso, não há necessidade de depoimento, pois é uma investigação sanitária.
Além das irregularidades identificadas, a Coordenadoria (junto com a Vigilância em Saúde) solicitou uma série de informações, como prontuário de pacientes, protocolos e comprovantes de manutenção dos equipamentos da clínica. Conforme Fonseca, 22 mulheres realizaram procedimentos no estabelecimento, porém, apenas quatro tiveram algum evento adverso.
Procurada pela reportagem, a farmacêutica responsável pela clínica, que tinha licença da prefeitura para exercer a atividade, afirmou que é muito cedo para qualquer manifestação, pois o anestésico ainda está sob análise. Ela não teve o nome divulgado pela Coordenadoria nem quis se identificar para a reportagem.
— Todas as pacientes tiveram alta. Falei com elas, estão bem e sem sequelas. Não tem o que manifestar porque não sabemos o que aconteceu.
Farmacêutico pode realizar procedimento estético?
A resolução 616 (2015) do Conselho Federal de Farmácia (CFF) define requisitos técnicos para o exercício do farmacêutico no âmbito da saúde estética. Conforme o documento, intervenções para fins estéticos que não atinjam órgãos internos podem ser operados por outros profissionais da saúde, como os farmacêuticos, conforme sua especialização. Já a resolução 645 (2017) do CFF considera que a categoria é capacitada para exercer a saúde estética desde que seja egressa de um programa de pós-graduação lato sensu reconhecido pelo Ministério da Educação na área da saúde estética ou ser egresso de "curso livre de formação profissional em saúde estética reconhecido pelo CFF.
A farmacêutica Aline Gutierrez destaca que, quando um profissional conclui a pós-graduação, ele autentica o certificado no Conselho Regional de Farmácia (CRF) do Estado. O órgão é responsável por conceder a habilitação para atuação na área estética.
— O farmacêutico só estará habilitado após a averbação da sua pós-graduação no CRF do seu Estado. Cursos livres não habilitam, apenas capacitam – enfatiza.
Recomendação da Sociedade Brasileira de Dermatologia
Depois do caso dessas mulheres de Três de Maio, a Sociedade Brasileira de Dermatologia - Secção RS (SBD-RS) emitiu uma nota em que recomenda que procedimentos estéticos invasivos sejam realizados por médicos especialistas em dermatologia ou cirurgia plástica, com Registro de Qualificação de Especialista (RQE) devidamente registrados no Conselho Federal de Medicina (CFM).
— Os procedimentos invasivos são aqueles que quebram a barreira de proteção da pele. Pode ser injetável, laser, ou seja, que induzam a um processo inflamatório — explica Clarissa Prati, vice-presidente da SBD-RS.
Ela também ressalta que intercorrências podem ocorrer em qualquer tratamento, contudo, os médicos estão mais preparados para atuar nesses casos.
— Nossa recomendação é que sejam feitos somente por dermatologistas ou cirurgiões plásticos porque esses profissionais passam por treinamento específico além da faculdade de Medicina. Os consultórios e clinicas médicas seguem regras da Vigilância Sanitária para atender intercorrências. Isso traz segurança para o paciente —completa.