Este texto é um pedido de socorro. Não consigo parar de ler sobre o Doutor Bumbum. Tipo o chocolatinho Bis, que é impossível comer um só, não paro de clicar em notícias e mais notícias sobre o caso. Nem sei como consegui escrever minhas próprias reportagens na semana. Como pensar no pacote do governo Marchezan na Câmara, na orla do Guaíba, em qualquer outra coisa, quando pipocam manchetes como "Em entrevista ao vivo, Doutor Bumbum manda recado para Silvio Santos"? Não dá. Simplesmente, não dá.
Caso você tenha desembarcado de outro planeta hoje, aqui vai um resumo: um médico de 38 anos chamado Denis Cesar Barros Furtado é acusado da morte de uma bancária de 46 anos. Ela havia viajado no sábado passado de Cuiabá a Brasília para realizar um procedimento estético na casa do médico. Horas depois, Denis foi flagrado deixando a paciente de cadeira de rodas em um hospital e fugindo. A bancária morreu no dia seguinte. Denis foi localizado e preso na manhã de sexta-feira.
Se o médico realizou milhares de operações e tantas delas resultaram em sequelas escabrosas nas pacientes, como pode nenhuma delas ter tornado o erro médico público, arruinando a imagem do Doutor Bumbum?
Qualquer leitor de bom senso, diante do parágrafo acima, vai pensar: "Poxa vida, isso não é nada engraçado". Não é mesmo. Mas aí entra todo o verniz ao mesmo tempo esdrúxulo e fascinante da história. O médico, uma figura bombada com o tórax estourando o jaleco, tornou-se conhecido nas redes sociais como Doutor Bumbum. No Instagram, onde acumula quase o equivalente a meia Porto Alegre de seguidores, ele posta vídeos conversando com a câmera, fotos de "antes e depois" de nádegas e coxas infladas e aleatoriedades, como frases falsas de Charles Chaplin. A bancária foi uma das mais de 9 mil pessoas em que o médico, conforme ele mesmo, injetou uma substância inadequada para esse tipo de procedimento estético.
Bunda, vaidade, morte, mundo bizarro... Não é à toa que as notícias sobre o Doutor Bumbum são irresistíveis. Elas contêm todos os elementos que atraem leitores aqui em GaúchaZH também, conforme a Nathalie Córdova, nossa coordenadora de mídias sociais. Se buscássemos apenas audiência, sem nenhum critério do que é importante informar ao leitor, pode apostar que nosso site e nossas redes sociais seriam repletos dessas bizarrices apelativas. E a Nathalie faz uma observação interessante. O que o leitor lê é bem diferente do que ele deseja mostrar aos outros que lê.
– Notícias de bichinhos, por exemplo. As pessoas adoram compartilhar no Facebook para parecerem fofas. Mas monitoramos que muitas vezes elas nem abriram a reportagem que estão compartilhando – conta.
O que nos leva a mais um componente interessante no caso Doutor Bumbum: a imagem que desejamos passar aos outros nas redes sociais. Assim que a morte da bancária foi divulgada e o médico fugiu acovardado, apareceram casos e mais casos de mulheres (quase sempre anônimas) relatando danos irreversíveis após se aventurarem nas mãos de Denis. Contraditório, não? Se o médico realizou milhares de operações e tantas delas resultaram em sequelas escabrosas nas pacientes, como pode nenhuma delas ter tornado o erro médico público, arruinando a imagem do Doutor Bumbum?
A resposta que me ocorre: por vergonha. Em uma das 725 reportagens que li sobre o assunto, uma dentista relata sua desventura. Para um preenchimento nas nádegas, ela entregou R$ 24 mil em mãos ao médico, que viajou para realizar o procedimento na casa dela, no Rio de Janeiro. Não houve consulta, apenas troca de fotos por WhatsApp, e ele sequer ofereceu recibo. Dois anos depois, o material injetado apodreceu, ela vive com dores, seu casamento foi arruinado e nenhum médico de verdade se atreve a operá-la. A ingenuidade de uma profissional da área da saúde que caiu em um golpe tão óbvio só é menor do que a vergonha de expor a burrada em público, ou mesmo de procurar reparação na Justiça.
Não há coxas e nádegas apodrecidas no perfil do Doutor Bumbum, claro. Ele construiu sua reputação de papelão na internet, onde exibe um currículo falso, milhares de seguidores e fotos de pacientes infladas miraculosamente em minutos. Pacientes sempre "descabeçadas", diga-se, pois ninguém se identifica ao recorrer a uma operação dessas. E a mesma preocupação com a reputação, desta vez das pacientes enganadas, foi o que protegeu o médico das denúncias. Sua picaretagem só foi revelada às custas da morte de uma mulher saudável, jovem e bonita. Antes dela, milhares sofreram caladas e envergonhadas.
Se essa obsessão pelo Doutor Bumbum serve para algo além da nossa curiosidade mórbida, é para repensarmos questões como credibilidade e reputação, sobretudo no ambiente virtual. Nessas bandas, casos em que se vende gato por lebre, me desculpem, abundam.