Após duas décadas no comando do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo de Argollo Mendes pediu afastamento do cargo em setembro, alegando, em carta, que, “em nome de interesses escusos, procuram atingir minha honra para ferir o Simers, semeando calúnias, gravações montadas e toda sorte de artimanhas sórdidas para tentar provocar a dúvida”. O médico se referia à divulgação de gravações de escutas ambientais clandestinas, que captaram conversas com comentários seus sobre o suposto desvio de mais de R$ 2 milhões da instituição.
Já na condição de ex-presidente, ele obteve um parecer técnico assinado por peritos em computação forense e perícia digital concluindo que o áudio “sofreu alterações em suas ondas sonoras em diversos trechos” e que “pode-se afirmar que o mesmo foi manipulado”. Em novembro, ação ajuizada na 9ª Vara Cível do Fórum Central reivindicou a retirada do conteúdo da internet. O pedido foi atendido, mas, até a manhã desta terça-feira (8), os arquivos continuavam acessíveis.
Maria Rita de Assis Brasil, vice-presidente que assumiu a vaga de Argollo até o fim de 2018, abriu uma sindicância interna para apurar o episódio. Em um apedido na imprensa em 27 de dezembro, o Simers informou que a comissão ouviu 18 pessoas e analisou centenas de documentos. Os resultados foram encaminhados à Polícia Civil. Devido ao período de recesso, os papéis não puderam chegar ao Ministério Público antes do encerramento da gestão, mas Maria Rita deixou a recomendação aos sucessores.
Recém-empossado na presidência, o oposicionista Marcelo Matias afirmou que uma empresa de auditoria já foi contratada para rever todas as movimentações financeiras da entidade nos últimos três anos.
Gastroenterologista, Argollo, aos 69 anos, não pretende voltar a clinicar ou atuar na área sindical. Na semana passada, ele concedeu entrevista a GaúchaZH.
Foram 20 anos à frente do Simers. Quais foram suas principais realizações?
Passamos de uma arrecadação de R$ 1 milhão em 1997 para R$ 44 milhões em 2017, o número de associados cresceu de 2.256 para 16 mil. Ampliamos a representatividade, de 29 nomes na composição da diretoria para 129. Implantamos serviços de apoio ao associado, tais como imposto de renda, folha de pagamento, auxílio ao médico empreendedor, serviços jurídicos. Obtivemos em 2018 o índice de 90% de satisfação dos associados. Criamos o Núcleo Acadêmico, um trabalho com os estudantes de Medicina, que levaram adiante o trote solidário, referência no país. Percorremos em 2017 o equivalente a seis voltas ao redor da Terra atuando na defesa da categoria. Participamos do PGPQ (prêmio Qualidade RS, promovido pelo Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade), recebemos troféu, participamos do Top of Mind. Fomos o primeiro sindicato não patronal a conquistar o certificado ISO 9001 de excelência em gestão. O Simers é o maior sindicato médico da América Latina. Acabamos de abrir o Beneficência Portuguesa, outros tantos hospitais impedimos que fechassem... Enfim, a atuação do sindicato foi muito marcante na condução da política de saúde no Estado. Uma ilustração: fomos chamados no postão da Vila dos Comerciários porque havia pacientes deitados no chão. Fizemos a vistoria, eu estive lá. Documentamos e comuniquei que íamos levar essa questão à comissão de direitos humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). No dia seguinte, muito antes de que a gente fizesse qualquer denúncia, já estavam todos os pacientes deitados em cama.
O senhor se afastou da presidência, em 2018, à época da divulgação das gravações obtidas com as escutas ambientais plantadas na sede. Por que tomou essa decisão?
É muito difícil atacar o sindicato pela sua atuação em defesa do médico, em defesa da saúde, pelo serviço que presta. De outro lado, sabíamos que estávamos criando, ao longo desses 20 anos, enormes inimigos, muito poderosos: políticos que denunciamos quando não usavam adequadamente a verba da saúde, empresas que se apropriavam de recursos da saúde e não prestavam o serviço... Uns meses antes, uma empresa tinha sido, em razão de uma ação do sindicato, condenada a pagar R$ 8,1 milhões de recursos dos médicos não repassados. Fizemos inimigos poderosos porque causamos prejuízos multimilionários, em função de uma atitude dura, reta, permanente, sem concessões. Sabíamos que, em algum momento, seria necessário, para esses grupos, nos desalojar do sindicato. O melhor momento para desestabilizar e nos afastar do sindicato é o momento eleitoral. Mas não estou vinculando a chapa de oposição a esse movimento. Tenho convicção, embora ainda não tenhamos prova, de que foi um movimento de empresário, e não da chapa. Claro que eles tiraram proveito disso, é natural, faz parte do jogo.
Um empresário? Alguém especificamente?
Imagino que sim, mas tenho dificuldade de dizer porque, como não tenho comprovação, não gostaria de fazer ilações. Em outro momento, quando tiver uma coisa concreta, fica mais fácil.
Nos áudios que foram divulgados na internet, o senhor fala em prejuízo de mais de R$ 2 milhões. O que de fato aconteceu?
Quando apareceram essas coisas, e ficou provado que as conversas eram montadas, editadas, eu não só me afastei do sindicato como chamei a Polícia Federal e a coordenadoria das promotorias, entregando a questão na mão deles. Se há alguma suspeita quanto à transparência da nossa administração, vamos entregar isso para as autoridades, vou estar fora do sindicato, não vou ter nenhuma maneira de pressionar alguém ou de querer subtrair documentos. Nunca mais entrei no sindicato a partir daquele momento. Toda a munição foi preparada para me atingir. Parece que a lógica da coisa é “se derrubarmos o Argollo, o sindicato cai junto”, já que sou muito identificado com o sindicato. Achei que servia mais ao sindicato e à chapa de situação me afastando. Não tive mais nenhum envolvimento. A questão está entregue para a Justiça, que identificou as montagens e mandou tirar do ar porque realmente não correspondiam à verdade. As gravações perderam toda a credibilidade quando foram feitas perícias por três peritos especializados que apontaram a manipulação, inclusive palavras gravadas em um aparelho e outras ditas muito tempo depois gravadas já por outro aparelho e colocadas juntas para fazer crer que aquela frase tinha sido dita por mim.
O senhor constatou, de fato, a falta de R$ 2 milhões?
Sim. Contratamos uma empresa de consultoria de São Paulo para rever todos os processos. Essa consultoria apontou: há uma possibilidade de irregularidade aqui. Isso foi passado para os escalões adequados do sindicato, foram demitidas todas as pessoas que pudessem ter alguma relação com eventual desvio de recurso. Tomamos uma série de medidas, mas não foi um trabalho terminado, ainda continuou a Maria Rita conduzindo a sindicância.
Ela falou que a sindicância constatou um cenário semelhante ao da consultoria, que seria essa falta dos R$ 2 milhões. Um contador teria admitido o desvio de R$ 300 mil. Por isso ter ocorrido durante a sua gestão, o senhor acha que falhou em algum momento por não ter percebido?
Não. Em nenhum momento. Isso não é uma coisa exclusiva do sindicato. Isso acontece todos os dias na iniciativa privada. Claro que um banco que sofreu um desfalque dado por um funcionário não vem a público dizer “olha, sofremos um desfalque”, porque até compromete a imagem do banco. Mas nós seguimos todas as normas da melhor governança possível. Fomos inclusive premiados mais de uma vez por isso. Tínhamos auditoria externa, auditoria interna. Não houve desleixo.
O senhor ficou 20 anos no cargo. Chegou a avaliar se uma alternância de presidentes não poderia ter sido benéfica para a entidade?
Sim. Mais de uma vez discutimos isso com a categoria. Eu fui para São Paulo fazer pós-graduação em Administração de Empresas na USP pelo crescimento do sindicato. Os colegas sempre apelaram para que a gente continuasse, em função até de todo esse conhecimento e dessa prática adquiridos. Uma coisa que me envaidece muito é que, durante 20 anos, os médicos foram perguntados, a cada três anos, se eles gostariam de renovar e colocar uma outra equipe. Todas as vezes, por maioria muito significativa, tipo dois terços ou mais, disseram “não”.
Seu sucessor diz que o médico de consultório, o terceirizado que trabalha por firmas e o médico investidor foram historicamente colocados em plano secundário pelo sindicato, que teria priorizado servidores públicos e servidores com CLT.
Temos várias centenas de empresas médicas para as quais prestamos os mesmos serviços que pessoas físicas. Temos trabalhado intensamente na questão do médico pessoa jurídica, do médico que tem seu consultório. Mas acho que ele tem todo o direito de opinar. No meu ponto de vista, o sindicato foi uma vanguarda no país no que se trata de defender os médicos não celetistas e não estatutários.
O senhor se afastou completamente da atividade sindical?
Não está nos meus planos fazer oposição ou voltar a concorrer. Já dei 20 anos ao sindicato, é o momento de aceitar um outro desafio.
Ainda clinica?
Não. Sou aposentado da UFRGS, do INSS. O sindicato foi crescendo barbaramente que acabei fazendo essa opção: abandonei minha clínica privada e me dediquei integralmente ao sindicato. Nem pretendo, hoje, voltar a consultório. Acho que me preparei tanto na área gerencial, administrativa que é o momento de aceitar um desafio nessa área agora.
Está avaliando propostas, então?
Não é tudo isso (risos). Estou pensando. Certamente, devo trabalhar na área empresarial, na iniciativa privada. Não está no meu horizonte, em absoluto, fazer oposição à atual diretoria ou concorrer ao sindicato. A parcela de contribuição que eu deveria dar ao sindicato já dei, por 20 anos. Isso é um ciclo que já se fechou. É o momento de partir para coisas novas.