Eles são pacientes com doenças que confundem os médicos, pessoas cujos sintomas são vistos como psicossomáticos e que receberam mais de um diagnóstico errado. Eles deixaram os especialistas confusos e perderam quase todas as esperanças, menos uma. E, assim, acabam na Rede de Doenças Não Diagnosticadas, um projeto financiado pelo governo federal dos Estados Unidos que inclui 12 centros clínicos, um deles no Instituto Nacional de Saúde (NIH) em Bethesda, Maryland.
Pesquisadores dessa rede buscam todas as pistas possíveis — obtidas mediante exames genéticos, de imagem, de bioquímica e clínicos — para descobrir o que há de errado com esses pacientes.
Em um estudo recente, 1.519 pessoas foram encaminhadas, mas menos da metade foi aceita para avaliação intensiva sem custo. A rede completou avaliações de 382 participantes e diagnosticou 132 deles (desde que o estudo terminou, outros 128 pacientes receberam diagnósticos).
Para alguns, havia boas notícias: um tratamento, muitas vezes uma droga que estava no mercado para outra finalidade. No entanto, mesmo os pacientes diagnosticados, mas sem um tratamento, dizem que a experiência pode ser recompensadora.
— As pessoas valorizam até mesmo a chance de dar um nome ao inimigo — diz Euan Ashley, geneticista da Universidade de Stanford e codiretor da rede.
Aqueles que saem sem um diagnóstico ou tratamento são informados de que, se a ciência melhorar e surgir uma resposta para eles, a rede vai contatá-los.
— Nunca desistimos — afirma Ashley.
Veja a seguir a história de três pacientes que passaram por uma maratona de diagnósticos que pouca gente consegue imaginar.
Ela parecia bêbada, mas estava completamente sóbria
Dee Reynolds, 60 anos, de Virgínia
Os sintomas
Surgiram em 2005 e foram piorando lentamente. Sua fala ficou lenta, ela começou a ziguezaguear quando andava. Seu equilíbrio se tornou precário.
Ano após ano, Dee procurou uma resposta, visitando médico após médico, fazendo inúmeros exames, inclusive um sequenciamento de genes. Mas ninguém conseguia descobrir o que estava errado.
Exames intensivos
Em 2018, ela foi aceita na Rede de Doenças Não Diagnosticadas.
— Em quatro dias, fiz um número de exames que normalmente se faz em um ano inteiro. No primeiro dia, tiraram 25 frascos de sangue — conta.
Ela fez uma biópsia de pele, uma ressonância magnética, exames psicológicos e exames oftalmológicos. Os médicos sequenciaram não apenas seus genes, mas as regiões vizinhas do DNA que os controlam.
O diagnóstico
Dee tem uma doença hereditária que normalmente ocorre na infância: Niemann-Pick Tipo C. O paciente típico é a criança que desenvolve dificuldades no andar e na coordenação motora. O problema fundamental é um acúmulo constante de colesterol e outros lipídios dentro das células do corpo, danificando os órgãos e o sistema nervoso central. A doença progride implacavelmente até chegar a convulsões e demência. Normalmente, os pacientes novos morrem de pneumonia em uma década.
Para contrair a doença, a pessoa em geral deve herdar duas cópias defeituosas do gene Niemann-Pick, uma de cada um dos pais. Mas a doença de Dee era incomum, disse seu neurologista no Instituto Nacional de Saúde, Camilo Toro. Como acontece com as crianças que têm a doença, ela herdou um gene Neimann-Pick que, tendo passado por várias mutações, não funcionava. Mas o outro gene era normal. Ocorreu, porém, uma mutação em uma região do DNA que controlava o gene normal, prejudicando sua ação. Ao contrário da maioria dos pacientes, Dee passou mais de quatro décadas incólume antes que a doença começasse a aparecer.
— Um adulto desenvolvendo a doença de Niemann-Pick não é inédito, mas é extremamente raro. Já havia lido sobre isso, mas nunca tinha visto um paciente adulto — disse Toro.
O prognóstico
É difícil saber. A doença de Reynolds progrediu lentamente, mas acabou se intensificando.
— Poderíamos prever o agravamento de sua coordenação, do caminhar e das articulações. Pacientes com NPC (Niemann-Pick tipo C) tardia frequentemente experimentam sintomas neuropsiquiátricos, o que não é o caso de Dee — disse Toro.
O tratamento
Não há terapia aprovada para a doença, mas há testes clínicos de terapias experimentais em andamento. Se aprovadas, Toro espera que Dee possa se beneficiar de alguma. O diagnóstico "me ajudou a lidar com a incerteza", disse ela. E, acrescentou, talvez uma das drogas experimentais possa ajudá-la.
Ela corria maratonas até que a queimação começou
Sara Silva, 44 anos, da Califórnia
Os sintomas
Há dezesseis anos, Sara era uma maratonista saudável. Mas sua vida mudou abruptamente depois de uma festa de Natal no escritório de advocacia de seu marido. No evento, ela de repente sentiu uma dor aguda que lhe queimava as mãos e os pés. As pernas começaram a inchar. Ela estava assustada, mas no dia seguinte parecia bem — por isso, decidiu ignorar o episódio. Porém os sintomas retornaram mais e mais vezes, até que permaneceram. A dor e a queimação pioraram.
— Não uso sapatos há quatro anos porque a dor é muito forte. E não suporto o calor: minha casa está sempre a 17 graus, mesmo no inverno. Não posso cozinhar nem usar o forno. Não posso comer nada quente nem tomar uma ducha em alta temperatura — relata.
Ela geralmente anda com bolsas de gelo e toma grandes doses de analgésicos, mas não opioides — tem medo deles.
— Essa vida é um desafio. Você aprende a respeitar a dor — diz Sara.
Exames intensivos
Ela consultou dezenas de médicos e foi duas vezes à Clínica Mayo para uma avaliação exaustiva, sem sucesso. Tentou inúmeros remédios para aliviar os sintomas, mas nada ajudou. Acabou na clínica de dor de Stanford, onde os médicos disseram que sua doença era eritromelalgia, uma condição rara em que os vasos sanguíneos acabam bloqueados e inflamados. Mas ninguém sabia como o problema havia começado.
Os testes genéticos não deram respostas. E os tratamentos que ajudam algumas pessoas que têm essa doença não fizeram nada por ela. Os médicos suspeitaram que ela poderia ter uma condição médica subjacente que interferia com as drogas que tratavam a doença.
No início de 2018, Sara foi aceita no site da Rede de Doenças Não Diagnosticadas de Stanford. Ela fez mais exames genéticos. Assim como aconteceu com Dee, os pesquisadores examinaram não apenas seus genes, mas o DNA entre eles. Os cientistas encontraram um trecho de DNA com o que parecia ser uma mudança incomum, mas "não tínhamos provas suficientes para dizer que estava causando seus sintomas", disse Chloe Richter, conselheira genética do programa de Stanford.
Os médicos de Sara contataram cientistas que estudaram essa região genética suspeita e também pesquisaram pessoas saudáveis para ver se tinham uma mutação semelhante. O resultado foi um beco sem saída. Os cientistas encontraram a mesma alteração genética em pessoas perfeitamente saudáveis. Pesquisadores externos disseram que realmente não achavam que essa alteração estivesse causando os sintomas de Silva.
O diagnóstico
Ainda não há. E os médicos não podem lhe dar um prognóstico. Mas a equipe de Stanford continua a procurar respostas. Sara não desistiu e disse que "ainda espera receber um telefonema com uma resposta sobre qual de fato é meu pequeno monstro e como esmagá-lo como uma aranha peluda".
Ele tinha meningite, mas não infecção
Zarko Stanacev, 67 anos, de Atlanta
Os sintomas
Em 2007, Stanacev começou a ter episódios de perda auditiva. Sua audição sempre acabava voltando, mas depois outro episódio ocorria. Seu médico não conseguia determinar o que estava acontecendo. Então, em 2010, Stanacev foi hospitalizado com meningite. Ele tinha febre alta e dor de cabeça. Seu cérebro estava claramente inflamado, mas não havia infecção bacteriana ou viral.
Depois de alguns dias, ele se recuperou, só para acabar contraindo meningite novamente. E mais uma vez. Entre 2010 e 2017, teve 30 episódios sem motivo aparente. Cada episódio começava com calafrios e febre, que progrediam de hora em hora.
— Na manhã seguinte, ele estava quase inconsciente. Cada vez que ia para o hospital, eu não sabia se ele sairia — disse sua esposa, Dejana Stanacev, 55 anos.
A doença, o que quer que fosse, continuou piorando. Logo ele não conseguia mais andar e tinha dores constantes por todo o corpo. Sua mente estava nublada; era incapaz de se concentrar. Ficava em casa "esperando que os dias passassem", contou Dejana Stanacev.
Exames intensivos
Não havia dúvida de que Zarko Stanacev tinha meningite — seu cérebro estava inflamado. Mas por quê? Antibióticos não ajudavam, nem esteróides, que controlam inflamações. Independentemente do número de exames feitos, os médicos não encontravam nenhum sinal de infecção bacteriana ou viral. Finalmente, no fim do ano passado, Stanacev foi encaminhado para o site da Rede de Doenças Não Diagnosticadas do Instituto Nacional de Saúde.
Ele passou por uma bateria completa de exames: imagem, sangue, análise genética e, o mais importante, uma punção lombar para obter fluido cefalorraquidiano, que envolve o cérebro. Esse fluido mostrou sinais claros de uma inflamação extensa. No fim da semana, os Stanavec foram para casa, torcendo por um diagnóstico.
O diagnóstico
Os Stanavec receberam um telefonema da clínica em abril. Os pesquisadores descobriram o que estava errado. Stanavec tinha uma mutação extremamente rara em um gene, o NLRP3, que ajuda a direcionar células a ativar uma proteína, a interleucina 1 beta, que é parte da resposta imune às infecções. A mutação fazia com que ele produzisse uma proteína NLRP3 que estava sempre ativa – mesmo quando não havia infecção.
Há apenas dois ou três casos relatados dessa mutação na literatura médica, disse William Gahl, diretor clínico do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano do Instituto Nacional de Saúde. Não se sabe por que os sintomas de Stanavec começaram tão tarde, disse Gahl, nem por que apenas seu cérebro ficava inflamado. Mas houve uma boa notícia para ele: há uma droga no mercado – a anakinra, usada para tratar a artrite reumatoide – que bloqueia a interleucina 1.
O tratamento
Stanacev e sua esposa voltaram ao Instituto Nacional de Saúde e ele tomou uma injeção de anakinra. A dor desapareceu. Ele se levantou da cadeira de rodas. Conseguia pensar com clareza novamente. "Foi como uma névoa que saiu do meu cérebro", ele disse à esposa.
— Foi como um milagre — disse Gahl.
Por Gina Kolata