Um ano e sete meses depois do conturbado nascimento de Bianca Vitória Silbershlach Cézar, que teve seu óbito atestado pela equipe médica do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) ao nascer, mas voltou a respirar seis horas depois, o caso segue com muitas perguntas sem resposta. Especialistas afirmam que casos como esse são extremamente raros – e que as sequelas da criança podem ser consequência da complicada gestação, e não necessariamente do que ocorreu nas horas após o parto. Bianca sofre de microcefalia (o cérebro é menor do que o normal) e hidrocefalia (há acúmulo de líquido no crânio, impedindo o desenvolvimento cerebral) e já passou por 25 procedimentos cirúrgicos.
De acordo com Sergio Hecker Luz, médico obstetra, professor da Faculdade de Medicina da PUCRS e membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o fato de Bianca ter nascido com 34 semanas e apenas 1,6 kg indica que havia alto risco de complicações durante a gravidez e de malformações desenvolvidas durante a gestação:
– A criança nasceu com um peso muito baixo e prematura, e há várias causas para isso, que vão desde a genética até problemas da própria gravidez. Ela já tinha problemas dentro do útero.
Mauricio Obal Colvero, pediatra neonatologista e professor do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) explica que microcefalia e hidrocefalia podem ser decorrência de um período de asfixia tanto intraparto como pós-natal.
A menina nasceu em 6 de fevereiro de 2017, em uma cesariana feita porque sua mãe era gestante sob risco (estava com pressão alta mórbida, chamada de eclâmpsia). Conforme relato do obstetra Marcelo Lorensi Feltrin, médico que atestou o óbito, ela nasceu morta e pediatras tentaram reanimá-la pelo dobro do tempo usual.
O neonatologista Colvero informa que os procedimentos de reanimação em bebês que nascem sem ventilação começam com a secagem e a aspiração das vias aéreas para desobstruí-las.
– Se não há resposta, é promovida uma ventilação com pressão positiva por meio de um ressuscitador manual em “T” ou pelo uso de balão e máscara. O bebê não respondendo, se confere de novo a instalação do equipamento e se passa para a etapa seguinte, que é a massagem cardíaca e entubação traqueal – detalha.
A última etapa, caso o recém-nascido siga sem dar resposta, é o uso de medicação endovenosa, como adrenalina e expansão com soro fisiológico. No caso de Bianca, o hospital afirma que essa medida foi tomada, mas que a menina continuou sem apresentar sinais vitais.
Para aferir o estado de saúde do recém-nascido, os médicos utilizam a chamada escala de Apgar, um teste com escore de 0 a 10 e que leva em consideração características do bebê como atividade, batimento cardíaco, cor, respiração e reflexos naturais.
– Esta avaliação é feita no primeiro minuto de vida e depois aos cinco minutos. Quando o escore fica abaixo de 7, é repetida aos 10 minutos. Ela é que irá identificar se é necessário qualquer tipo de tratamento após o nascimento. Se aos 10 minutos o escore é zero, pelo manual da Sociedade Brasileira de Pediatria os médicos estariam aptos a suspender as medidas de reanimação porque a morbimortalidade (relação entre morbilidade e mortalidade) é muito grande nesse grupo – observa Calvero.
No caso de Bianca, os médicos afirmam que tentaram os procedimentos de reanimação e avaliaram os sinais da bebê por até 20 minutos após o nascimento. O obstetra Sergio Luz explica que identificar os sinais vitais de um bebê é mais difícil do que de um adulto, e isso pode ter sido um dos fatores para a criança ter sido considerada morta após as tentativas. O médico não exclui, entretanto, a possibilidade de que tenha havido “uma falha no processo de avaliação”.
Elaine Resener, superintendente do Husm, afirmou em entrevista que a criança não respondeu imediatamente às diversas manobras de reanimação, mas que os sinais vitais de Bianca podem ter retornado horas depois devido a um efeito tardio das drogas que foram aplicadas na última etapa da reanimação. Para Calvero, situações como essa não são comuns, mas como o metabolismo de um recém-nascido é imprevisível, existe a possibilidade de ele responder tardiamente e de forma inesperada aos medicamentos.
As perguntas ainda sem resposta sobre o caso motivam uma série de procedimentos e processos por parte do Husm, do Conselho Regional de Medicina (Cremers), das polícias Civil e Federal e da Justiça. Enquanto isso, Bianca se recupera de mais uma cirurgia de alta complexidade, realizada na última terça-feira no Hospital da Criança Santo Antônio, em Porto Alegre.