Sentados em círculo, seis desconhecidos moradores de Porto Alegre contam segredos das suas vidas com detalhes que incluem suas dores mais profundas. Todos ali têm em comum o fato de estarem apresentando complicações de saúde atribuídas ao mesmo fator: o cigarro. Em comum também, a vontade de largar o vício. Para alcançar este objetivo, procuraram ajuda no sistema de saúde municipal.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o vício em nicotina atinge 12,5% da população adulta de Porto Alegre. Nesta quarta-feira (29), Dia Nacional de Combate ao Fumo, a cidade tem resultados modestos a comemorar. Após ostentar por anos a posição de Capital com maior número de fumantes do Brasil, passou, em 2016, para a segunda colocação, logo após Curitiba (PR). Hoje, está em terceiro, atrás também de São Paulo. Os dados são da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) divulgada em 2018.
Tratamentos em grupo, como o frequentado pelos seis desconhecidos do início da reportagem, existem desde 2011 em Porto Alegre e são considerados um método eficaz para combater o tabagismo. Atualmente, 73 das 140 unidades de saúde da Capital possuem grupos antitabagismo.
O tratamento é composto por quatro encontros iniciais com atendimentos de médicos, farmacêuticos, dentistas e enfermeiros. Além disso, há consulta individualizada, na qual os médicos avaliam a necessidade de uso de remédios como os adesivos de nicotina – neste caso, para quem está parando não ter uma resposta abrupta do corpo. Os medicamentos são distribuídos gratuitamente para participantes do grupo durante três meses.
Ajuda para amenizar a dor
A reportagem de GaúchaZH acompanhou um destes encontros em uma tarde de agosto, no Posto de Saúde Modelo, localizado no bairro Santana, região central de Porto Alegre. Por quase duas horas, as pessoas que fumam deram seus relatos a outros que estão na mesma situação e a um dos coordenadores do grupo, o dentista Thomás Sória, 28 anos. Como resposta, ouviam as orientações do especialista, sempre feitas em tom de voz calmo e compreensivo. Naquele dia, houve também uma palestra sobre os malefícios que os compostos do cigarro causam para a saúde como um todo, especialmente para os dentes. Depois, foi distribuída uma cartilha do Ministério da Saúde.
Segundo o dentista, a ideia do tratamento com fumantes ouvindo relatos de outros na mesma situação e recebendo orientações em conjunto é tentar amenizar a dor de um momento difícil, mostrando que há outras pessoas na mesma batalha que elas e que os problemas enfrentados são comuns para quase todos aqueles que tentam abandonar o fumo.
– Geralmente, as pessoas vêm de anos de uso de cigarro e as suas histórias são muitos parecidas. Tem questão de pressão familiar envolvida, às vezes já tem um susto de saúde, o aconselhamento de um médico a parar, já tentou em algumas outras oportunidades, mas não obteve sucesso. Por isso, uma pessoa que fuma consegue identificar a história dela também no relato daquele colega que está no grupo e isso tem um potencial muito grande quando é discutido em conjunto. É uma proposta terapêutica extremamente eficaz – explica o especialista.
Aquele era o último encontro da fase inicial para os participantes do grupo. A maioria deles ou havia definido uma data para parar de fumar ou já havia conseguido deixar o cigarro de lado e agora contava os efeitos da abstinência. Após o tratamento inicial, eles ainda eram aconselhados a frequentar os grupos de manutenção para aqueles que estão prestes a recair ou querem manter a proximidade e orientações com os profissionais de saúde.
Data marcada para largar o vício
Uma das pessoas que estava finalizando o tratamento era a cuidadora de idosos Tânia Marisa Gomes dos Santos, 67 anos. A pressão de familiares e o debilitado estado de saúde a forçaram a procurar ajuda. Ela fuma há 30 anos e conseguiu parar por um tempo, mas o corpo respondeu de maneira agressiva quando retirou a nicotina. No tempo em que esteve sem fumar, viu sua pressão arterial bater 28 por 14 e apresentou hemorragia nasal. Apesar do resultado negativo por causa da abstinência, que a fez voltar a fumar agora em baixa quantidade, Tânia vê avanços importantes para sua saúde. O fôlego para subir e descer escadas melhorou, ela voltou a conseguir caminhar por mais tempo e percebe sua pressão melhorar.
– Antes, eu fumava 10, 15, uma carteira em um dia e agora comecei a parar. Estou fumando quatro ou cinco. Me assustei tanto que nem quero chegar perto do cigarro – desabafa.
A mulher disse que o tratamento no posto está sendo fundamental para sua recuperação e que está "sendo muito bem recebida" pelo grupo. Esperançosa, faz planos e já marcou uma data para deixar de vez o cigarro: 13 de setembro. O dia não foi escolhido à toa:
– É o meu aniversário. Vou dar esse presente para mim.
Tânia estava acompanhada da dona de brechó Marisa Alves dos Santos, 59 anos, que virou sua amiga após as duas visitarem o grupo. Para Marisa, o quadro está mais difícil. Agravado por uma depressão, o vício é mais relacionado para ela a uma companhia. Fumante há 33 anos, só decidiu procurar o posto após a pressão dos netos.
– Eu ainda não consegui decidir se quero parar. Eu estou (aqui) mais forçada pela família. Sempre soube o mal que o cigarro faz e que esse preço eu ia pagar. Tanto é que, em março, eu tive início de enfisema pulmonar e agora eu estou com médico tratando problema nas cordas vocais. Mesmo assim, tá difícil (largar o vício) – lamenta a empresária.
Marisa também chegou a parar por um tempo, após ficar por 10 dias internada em um hospital devido a uma pneumonia no início do ano. No entanto, apresentou graves dores de cabeça e insônia. Assim que saiu, não conseguiu ficar muito tempo sem o cigarro. Ela ainda não tem previsão de quando vai conseguir parar e diz que precisa mudar sua forma de pensar.
O coordenador do grupo lamenta que o caso de Marisa não seja o único. Para o dentista, em quadros como o dela, o que tem de mudar é "a consciência da pessoa em relação à sua saúde e aos seus hábitos". Ele recomenda que a pessoa procure substituir o hábito do cigarro por algum outro que preencha esse espaço.
O acompanhamento do grupo foi tema de reportagem no programa Super Sábado, da Rádio Gaúcha. Ouça:
Grupo ajudou idoso a largar cigarro após 42 anos
Turíbio Antunes dos Santos, 61, aposentado, conseguiu, com a ajuda do tratamento em grupo, largar um vício que mantinha há quase cinco décadas. Ainda aos 12 anos, ao pegar os cigarros artesanais que o pai deixava acesos na oficina em que trabalhava, jamais imaginava os males que o hábito de fumar o causariam. O mais recente foi um enfisema pulmonar, que o faz ir e vir do hospital.
Ele foi um dos primeiros pacientes do grupo do posto de saúde Modelo. Em 2011, foi indicado por uma assistente social a procurar o tratamento que jamais largou. De acordo com ele, uma das maiores vitórias de sua vida foi largar o cigarro, que chama de "companheiro traiçoeiro". De 15 em 15 dias, há sete anos, ele vai até um dos grupos de manutenção.
– Ainda vou porque já tive exemplo de gente que ficou dez anos sem fumar e voltou, então tenho sempre que estar alerta. Até agora, aprendo a lição com os outros. Eu sirvo de exemplo para os outros e os outros servem de exemplo para mim. Eu pego força para continuar sem o cigarro só vendo o que os outros sofrem. Isso tudo eu já passei também – comenta.
Como procurar ajuda
A Secretaria Municipal da Saúde orienta os interessados em participar dos tratamentos a procurar o posto de saúde mais próximo de casa. Se a unidade não disponibilizar a terapia, outro local próximo será indicado. Além disso, também há a possibilidade de cadastro pelo aplicativo da prefeitura (faça o download do app #EuFaçoPOA), na opção "Quero Parar de Fumar".
A unidade de saúde receberá informação de que há pessoas que desejam parar de fumar em sua área de abrangência e, depois, entrará em contato.