Por Aaron E. Carroll, pediatra
Lembro bem do momento em que minha filha descobriu a própria mão – o olhar de deslumbre no rostinho foi impagável. E não demorou muito para aplicar a revelação, tentando colocar tudo o que encontrava na boca.
O bebê quer se alimentar sozinho. Mas parece que os pais passam mais tempo impedindo do que incentivando. De uns tempos para cá, porém, algumas pessoas começaram a questionar se isso está certo.
O desmame guiado pelo próprio bebê (BLW, na sigla em inglês) é uma iniciativa que estimula a criança a assumir o controle da alimentação baseada na premissa de que, sozinha, talvez ela regule melhor o que consome.
Acredita-se até que o BLW possa ajudar a reduzir a obesidade. Embora os bebês sejam alimentados na colher desde sempre, a explosão no número de alimentos comerciais específicos para essa faixa etária pode ter estimulado o consumo em excesso, conforme mostraram os resultados de um estudo feito em 2015. Os que foram desmamados por meio do BLW parecem ter uma percepção maior em relação à saciedade e menor probabilidade de sofrer com sobrepeso. Um estudo de 2012 também alega que o método está associado a um índice de massa corpórea menor. Entretanto, essas pesquisas não estabeleceram causalidade.
Uma análise realizada recentemente conseguiu o que outros trabalhos não alcançaram: na Nova Zelândia, gestantes voluntárias foram divididas em dois grupos. Ambos tiveram a ajuda de parteiras e assistência infantil, mas um recebeu oito contatos a mais, da gestação ao nono mês de vida do recém-nascido, sendo cinco com um consultor em lactação, que estimulou as mães a prolongar a amamentação no peito, atrasando a introdução de alimentos sólidos até os seis meses de vida. Os outros três foram com o pessoal da pesquisa, que estimulou os pais a procurar sinais de fome e saciedade nos filhos e, a partir dos seis meses, introduzir alimentos altamente energéticos e ricos em ferro, ou seja, fáceis de comer, mas que não fazem engasgar.
Os pais também receberam livros de receitas, ideias de alimentos, informações de segurança e outros recursos já testados, projetados para o estudo. Os pesquisadores foram minuciosos: foram feitas checagens frequentes à obediência parental aos princípios do BLW ao longo de todo o segundo semestre do primeiro ano de vida dos bebês, e os resultados foram coletados por integrantes que não sabiam a que grupo pertenciam os participantes. Antes da divisão, a maioria das mães pretendia alimentar os filhos com papinha, ou seja, teve que se adaptar a uma nova filosofia.
Os resultados foram decepcionantes: o estudo não encontrou diferenças significativas nos IMCs das crianças, nem com um, nem com dois anos de vida, mesmo quando os pesquisadores restringiram a análise àqueles que seguiram a proposta à risca.
A boa notícia é que os bebês comeram sozinhos: os pais podem ficar tranquilos, pois o estímulo para “limpar o prato” não é o único fator a evitar a desnutrição. A má é que mais de 10% das crianças no grupo que seguiu o BLW registravam sobrepeso aos dois anos, ou seja, já se fazia presente um dos indicadores mais significativos de um adulto com excesso de peso.
Ainda pode haver méritos
Não se sabe se o ser humano está programado para manter um peso saudável sozinho. Na natureza, os animais ficam sujeitos a forças externas – a necessidade de colher o alimento ou caçar, a competição, a preparação para o futuro; os domesticados comem de acordo com as nossas medidas. Qualquer um que tenha um pet sabe que, se deixado com um suprimento ilimitado de ração, ele vai comer até se acabar.
O estudo realizado na Nova Zelândia mostrou que, se tiver ao seu alcance comida mais do que suficiente para a sobrevivência e for deixado sem supervisão, o bebê vai exagerar. Apesar disso, pode haver méritos em dar aos pequenos um controle maior sobre o que ingerem: a análise concluiu que o BLW resultou em crianças menos implicantes com a comida e que pareciam apreciar mais o que comem. Os dois fatores são positivos.
O fato é que, se quisermos encontrar uma solução mais abrangente para as questões do sobrepeso e da obesidade infantil, teremos que nos esforçar mais, pois os bebês não vão resolvê-las para nós.
Uma velha discussão
— Há tempos o melhor método de alimentação infantil é tema de debate. Um artigo de 1948 publicado no Journal of the American Medical Association Pediatrics analisou a “literatura sobre o chamado programa de autodemanda da alimentação infantil” para bebês prematuros depois de terem alta do hospital.
— A pesquisa observou que havia uma tendência cada vez maior de permitir que a criança ditasse os próprios horários de alimentação, notando as alternâncias cíclicas de defesa dos horários rígidos e da permissividade em relação aos horários.
— Entretanto, as preocupações expressas naquela época eram bem diferentes das de hoje: em 1948, o pessoal estava mais preocupado em garantir que a criança fosse bem nutrida para crescer e se desenvolver adequadamente. Hoje, a questão principal são o consumo excessivo e a obesidade.