Agora, que os primeiros bebês nascidos com danos cerebrais causados pelo vírus zika estão completando dois anos, os mais gravemente afetados estão cada vez mais atrasados em seu desenvolvimento e vão necessitar de cuidados para o resto da vida, de acordo com um estudo publicado em 14 de dezembro pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
O estudo, o primeiro a avaliar de forma abrangente alguns desses bebês no Brasil, concentrou-se em 15 crianças mais afetadas, nascidas com a cabeça anormalmente pequena, vítimas da doença chamada de microcefalia. Com quase dois anos, elas apresentam um desenvolvimento cognitivo e físico de bebês com menos de seis meses. Não conseguem se sentar nem mastigar, e praticamente não falam.
— Algumas fazem sons de bebê, mas não os com consoantes como 'mama, papa, dada — disse Georgina Peacock, uma das autoras do estudo e diretora da divisão de desenvolvimento humano e deficiência do Centro Nacional de Defeitos de Nascimento e Deficiências do Desenvolvimento.
Não está claro quantos dentre os quase três mil bebês brasileiros nascidos com microcefalia vão apresentar um quadro tão grave quanto o das crianças do estudo, mas, de acordo com os médicos locais, esse número pode chegar a centenas.
— É devastador. Essas crianças vão exigir uma quantidade enorme de trabalho e de cuidado — disse Brenda Fitzgerald, diretora do CDC.
O novo estudo, realizado com o Ministério da Saúde brasileiro e outras organizações, avaliou crianças na Paraíba, na região nordeste do Brasil, epicentro da crise do zika. Os pesquisadores estudaram inicialmente 278 bebês nascidos no estado entre outubro de 2015 e o final de janeiro de 2016. Desses, 122 famílias concordaram em participar das avaliações de acompanhamento deste ano. O estudo inclui os casos considerados mais graves, segundo Peacock.
As crianças foram avaliadas no período entre pouco mais de um ano e meio e dois anos de idade. Quatro das 19 avaliadas tinham poucos sintomas ou dificuldades de desenvolvimento, e os pesquisadores concluíram que foram "erroneamente classificadas" como bebês do zika, possivelmente devido a erros em testes de laboratório ou medição da cabeça.
Mas 15 crianças, oito meninas e sete meninos, apresentavam vários sintomas que não melhoraram desde o nascimento. Todas tinham habilidades motoras severamente prejudicadas e, com exceção de uma, poderiam ser incluídas no diagnóstico de paralisia cerebral. A maioria tinha convulsões e problemas de sono. Oito delas haviam sido hospitalizadas em algum momento, a maioria por causa de bronquite ou pneumonia. Nove tinham dificuldade para comer ou engolir, o que pode ser fatal, pois a comida pode chegar ao pulmão ou as crianças podem acabar desnutridas.
A maioria tinha problemas visuais e auditivos graves a ponto de prejudicar sua capacidade de aprendizado e desenvolvimento, de acordo com Peacock.
—As crianças não percebem o som de um chocalho ou não conseguem seguir um objeto com os olhos, o que normalmente já conseguem um mês e meio e dois de vida. Suspeitamos que, por terem o cérebro muito prejudicado, a conexão de um objeto que lhes é apresentado com a parte posterior do órgão não esteja acontecendo, e esse é um comprometimento cognitivo significativo.
Médicos brasileiros não envolvidos no estudo dizem que as conclusões batem com sua experiência.
—Nossos resultados são semelhantes — disse Camila Ventura, chefe de pesquisa clínica da Fundação Altino Ventura, que oferece fisioterapia, cuidados oftalmológicos e outros serviços para os 285 bebês afetados pelo zika no estado de Pernambuco.
Ela e seus colegas estão avaliando seus pacientes em conjunto com o Instituto Nacional de Saúde e o RTI International, instituto de pesquisa sem fins lucrativos. Ventura disse que um estudo piloto com 40 crianças descobriu que elas não estavam balbuciando ou produzindo sons de linguagem, muitos ainda nem conseguiam engolir o leite, alguns precisam de tubos gástricos e apenas dois dos 40 estão andando.
—Os outros têm problemas até mesmo para segurar a cabeça — disse ela.
Agora, o número de bebês nascendo com complicações do zika diminuiu, pois as pessoas da região foram imunizadas após terem sido picadas por mosquitos infectados, durante a crise, e porque algumas mulheres estão tomando precauções para prevenir a infecção durante a gravidez. No entanto, Ernesto Marques, infectologista da Universidade de Pittsburgh e da Fundação Oswaldo Cruz em Recife, disse que cerca de três por cento de cada mil mulheres grávidas em uma amostragem recente estavam infectadas com o vírus.
—O problema não acabou. Ainda há novos casos — disse ele.
Na área continental dos Estados Unidos, houve 98 nascimentos e nove abortos naturais envolvendo defeitos congênitos associados ao zika, de acordo com o CDC. Nos territórios americanos, foram 142 nascimentos e oito abortos naturais. O órgão está acompanhando quase sete mil mulheres grávidas que podem ter sido infectadas nos Estados Unidos e seus territórios.
— Certamente vimos uma diminuição do número de casos, mas eles não acabaram — disse Fitzgerald.
No Brasil, o futuro dos bebês é complicado pela pobreza e falta de recursos.
—A maioria dessas crianças tem um baixo status socioeconômico e depende do sistema público de saúde. É muito difícil cuidar delas, porque precisam de vários tipos de especialistas — disse Marques.
Ele conta que as intervenções mais promissoras incluem tratamentos oftalmológicos e óculos fornecidos aos bebês pela Fundação Altino Ventura, e injeções de Botox que ajudaram a relaxar os músculos rígidos.
Peacock disse que um ponto positivo é que muitos bebês superaram a fase de choro e irritabilidade intensos e parecem conseguir se acalmar ou ser acalmados por suas mães.
Em alguns casos mais graves, no entanto, a fisioterapia e a terapia ocupacional só conseguem deixar as crianças mais confortáveis, sem melhorar seu desenvolvimento.
— Esse era nosso maior medo — disse Fitzgerald.
Autoridades do CDC querem monitorar os bebês do zika durante anos para compreender a gama de dificuldades pelas quais passam, e ver se algum problema se desenvolve nas crianças levemente afetadas e nas que parecem normais no momento, disse Fitzgerald.
—Precisamos continuar a trabalhar nessa questão e temos que tentar descobrir o que está acontecendo com esses bebês.
Por Pam Belluck