A fila de espera por consultas especializadas segue crescendo em Porto Alegre, mas de forma mais lenta. Dados do Sistema Único de Saúde (SUS), compilados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), mostram que no primeiro semestre de 2024, o acumulado de atendimentos saltou 3,79% — eram 170.367 pedidos por consultas na fila em janeiro, ante os 176.838 do mês de junho. Os dados constam no portal de transparência SMS e são divulgados mensalmente pela administração da Capital.
O crescimento é menor do que no mesmo período do ano passado. Entre janeiro e junho de 2023, a fila do SUS para consultas em Porto Alegre aumentou 9,20% — diferença de 5,41 pontos percentuais. Por isso, é visto que o crescimento neste ano se deu de maneira mais lenta, com a fila apresentando até certa estabilidade. No mês a mês até aqui, os números subiram em fevereiro, caíram em março, voltaram a subir em abril, recuaram em maio (mês em que a cidade enfrentou uma enchente) e cresceram novamente em junho. Ou seja, houve alternância.
Ainda assim, mesmo estando mais estável, a fila de junho atingiu um novo recorde na série histórica divulgada pela Capital, iniciada em março de 2017. As 176.838 consultas em espera superaram o último recorde, não muito distante, de abril deste ano, com 175.724 pedidos. O crescimento também é notável na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Nos últimos 12 meses, o incremento de solicitações avançou 25,88%.
Oftalmologia segue como gargalo
Assim como em janeiro, a fila com mais pedidos de consulta em espera é a oftalmologia geral adulto. Em junho, 22.940 fichas para ser atendido por um oftalmologista estavam acumuladas. A fila cresceu em relação ao começo do ano, quando eram 16.940 pedidos.
Esta especialidade tem sido desafio para a prefeitura há algum tempo. Em janeiro, também em reportagem do Diário Gaúcho sobre os atendimentos especializados via SUS na Capital, a SMS explicou que "não havia serviços suficientes no Estado para atender a demanda", o que pressionava Porto Alegre "a suprir grande parte das solicitações atuais" algo que o município não considera "possível".
Este é um fator contribuinte, como acredita a prefeitura. Mas a redução na oferta de consultas também faz com que a fila cresça. E isso aconteceu nos primeiros seis meses do ano. Enquanto em janeiro foram ofertadas 1.670 consultas para oftalmologista adulto, em junho esse número caiu mais do que pela metade, indo para 740 — redução de 55,68%.
Os dados da SMS mostram as solicitações acumuladas, mas também o número de pedidos que entram na fila todo mês e quantos primeiros atendimentos são ofertados naquela especialidade. No caso da oftalmologia geral adulto, só em junho, 2.002 novos pedidos chegaram. Ou seja, a oferta de primeiro atendimento não supre nem as novas demandas que chegam mensalmente.
Os atendimentos relacionados a visão são o grande calcanhar de aquiles no SUS da Capital. Vale lembrar que a fila é divida em cerca de 200 especialidades. Mas muitas são variações de um mesmo ramo. Só a oftalmologia tem 16 filas diferentes, com especialidades como catarata, glaucoma e pediátrica. E somadas, estas filas oftalmológicas tem 40.037 pedidos por consulta represados. Ou seja, só esta especialidade representa 22,64% de toda a fila de consultas via SUS na Capital.
Entre as especialidade oftalmológicas, uma chama atenção: a consulta para estrabismo. São 2.841 pedidos aguardando chamado. E mesmo nos casos mais complexos, classificados como "alta prioridade e alta complexidade", o atendimento pode demorar dois anos e meio. Em casos menos considerados menos graves, esse tempo salta para mais de cinco anos.
E não foi só a oftalmologia que viu sua oferta de consultas ser reduzida ao longo do primeiro semestre. Números somados mostram que no mês de junho foram ofertadas 24.695 primeiras consultas. Número menor que os 27.199 de janeiro deste. Foram 2.504 consultas disponibilizadas a menos na comparação entre os dois períodos — uma queda de 9,20% na oferta. A prefeitura garante que esta "pequena queda na oferta de consultas é reflexo direto da enchente de maio, onde foi necessário reagendar os pacientes e bloquear algumas agendas" e diz que "a situação já voltou à normalidade".
Espera por atendimento chega a quatro anos
Apenas o acúmulo de solicitações não significa que uma fila é demorada. Demandas mais comuns nos cuidados médicos podem ter grandes quantidades de solicitações chegando todo mês, mas uma oferta maior de atendimentos evita essa demora. Ainda assim, há especialidades em Porto Alegre onde mesmo com grande demanda, não há oferta. E aí, forma-se uma interminável espera.
Entre as 10 maiores filas para atendimento em Porto Alegre, as esperas para ser chamado ao consultório são significativas. A fila de urologia adulto acumulava 5.805 pedidos em junho, sendo que o chamado pode levar um ano em casos menos complexos. Na neurologia adulto, eram 4.965 fichas no levantamento mais recente — e uma espera por atendimento que pode chegar aos 810 dias — mais de dois anos.
Mesmo fora das 10 maiores filas, uma especialidade que sempre traduz a demora por atendimento é cirurgia bariátrica. Com 3.503 pedidos de primeira consulta acumulados em junho, a primeira ida ao consultório pode levar 1.470 dias — ou quatro anos.
Mas a fila de consultas com maior espera no Sistema Único de Saúde (SUS) da Capital não é tão grande. Trata-se de um pedido mais raro: a polissonografia. É uma consulta na área de pneumologia para tratar a apneia do sono — dificuldade de respirar enquanto dorme. O tempo de espera segundo a tabela de junho podia chegar aos 2.032 dias, o que representa cerca de cinco anos e meio. A fila para o exame é pequena, são 497 solicitações esperando, mas somente cinco atendimentos são oferecidos por mês.
Estado manda pacientes, mas não manda verba
Conforme a SMS, algumas especialidades (como oftalmologia, urologia e dermatologia) continuam registrando demanda maior que a oferta, "apesar do aumento de consultas, exames e cirurgias". Segundo o município, demanda e oferta continuam em desequilíbrio e "é um problema desafiador, ainda mais com a baixa da arrecadação em função das enchentes e aumento dos custos em saúde".
A pasta municipal de saúde pontua ainda que com a unificação das filas a nível estadual, "todos os vazios assistenciais do Estado foram referenciados e diversas filas ficaram concentradas em Porto Alegre, que passou a ser a referência e sem recursos adicionais, inclusive com redução de recursos existentes, como o caso do Programa Assistir, que tira aproximadamente R$ 1 milhão por mês de Porto Alegre".
Ainda em relação a demandas vindas do Estado, a prefeitura diz que "há um passivo estadual vindo para Porto Alegre por questões administrativas e não por complexidade". Isso porque, sem aviso prévio ao município, "o Estado permitiu a desabilitação de serviços do Interior, que passam automaticamente a serem referenciados na Capital".
Essa mudança, conforme a SMS, "acarretou em mais de 3 mil transferências de pedidos de consultas do Interior para a Capital, recentemente, nas mais variadas especialidade, como: cardiologia adulto, ginecologia, neurologia, oftalmologia e oncologia, além de tratamento da dor (cuidados paliativos)".
A Capital entende que "a partir do momento que pactua-se uma referência, também é necessário pactuar um novo financiamento, e isso não é feito". Ou seja, o município espera novas verbas do Estado por receber mais pacientes do Interior, mas isso não ocorre.
Sobre o aumento das filas de oftalmologia, a SMS diz que neste ano, o governo estadual não quis pactuar as referências da rede de atenção em oftalmologia no Programa Nacional de Redução de Filas, "o que resultou numa oferta menor e contribuiu para o aumento da fila". Além disso, o programa estadual Assistir resultou na retirada de recursos destinados a instituições hospitalares da Capital e Região Metropolitana, "e não tem dado conta de aumentar a oferta em outros municípios no mesmo nível que aumentam as necessidades de saúde".
As faltas ao atendimento também preocupam. Dados da SMS apontam que 14% dos pacientes que residem em Porto Alegre faltaram a consultas neste ano. Foram mais de 11 mil reagendamentos e 17 mil faltas. "O absenteísmo é um dos fatores que contribuem para o crescimento das filas de espera dos atendimentos especializados, consequentemente gerando diminuição do aproveitamento da oferta assistencial", diz nota da SMS.
Unificação gerou aumento nas filas
A Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS), enviou nota explicando que a partir de 2022, com a unificação de filas de espera em especialidades como cardiologia, neurologia, oncologia, oftalmologia, dentre outras que tem Porto Alegre como referência, "as solicitações de consultas especializadas foram incorporadas pela Capital, conforme tratativas e pactuações previamente estabelecidas entre gestores".
Segundo a pasta, "este fato justifica o aparente 'aumento' da demanda considerando que, anteriormente este volume de solicitações já se encontravam sob regulação da central estadual, para ocupação da oferta de consultas especializadas em Porto Alegre". A SES-RS ainda cita que a gestão da SMS de Porto Alegre "retirou do sistema Gercon (Gerenciamento de Consultas) o percentual de 10% a 15% de consultas para o Estado em desacordo com resolução" de comissão da SES-RS. E isso resultou na transferência de solicitações para a fila de Porto Alegre.
O Estado diz que, para o segundo semestre, prevê ações para reduzir a fila. Para a oftalmologia, está prevista contratação de consultas através de projetos como o teleoftalmo.