Recém-solto da Penitenciária de Charqueadas, Gabriel Muller, 30 anos, era uma das pessoas na fila por uma vaga para passar a noite no Instituto Espírita Dias da Cruz, na Avenida da Azenha, esquina com a Ipiranga, em Porto Alegre.
Por volta das 17h30min da última quinta-feira (18), ele estava escorado no portão do albergue e tinha nos pés apenas chinelos. Fazia frio naquela tarde.
— Estava preso e vim de Charqueadas ontem (quarta-feira, 17). Quando cheguei, já havia poucas vagas — comenta Muller, que conseguira entrar no dia anterior e esperava ter sucesso novamente.
Natural de Porto Alegre, ele explica que não vive em situação de rua. Passou o dia providenciando documentos e, na sexta-feira (19), pretendia procurar emprego no Sistema Nacional de Emprego (Sine).
Questionado sobre o que achou de positivo e o que o desagradou na primeira noite no albergue, Muller tem a resposta na ponta da língua:
— Sempre é bom ter um lugar para descansar. O ruim é acordar às 5h30min para se preparar para sair.
Um levantamento feito pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul mostrou que, se todas as pessoas que vivem em situação de rua no Estado buscassem, na mesma noite, um lugar seguro para dormir, a estrutura pública existente daria conta de atender somente 15% delas.
O relatório, feito com base em questionários respondidos por 381 das 497 prefeituras gaúchas, mostrou que são 14.829 pessoas em situação de rua nos municípios e apenas 2.185 vagas nos chamados serviços de alta complexidade da assistência social, como albergues.
Destas vagas de acolhimento, mil estão na Capital, segundo a pesquisa. Porto Alegre tem 2.371 pessoas em situação de rua.
"Penso em alugar uma casa"
Aos 22 anos, João Antônio Vitola Marques também estava na fila do albergue na Azenha. Normalmente, ele passa as noites em outra unidade do tipo, no bairro Floresta.
— Não tenho do que reclamar do albergue. Lá é tudo ótimo — elogia.
Sem moradia havia apenas 10 dias, Marques conta que ficou sem saber o que fazer depois da morte da mãe e brigou com a família. Decidiu viver nas ruas. Parou de estudar na sétima série e deseja voltar para a escola. Mas não sabe quando, nem como.
— Penso em alugar uma casa — planeja, dizendo que faz alguns bicos para sobreviver e ganha cobertas e comida de outras pessoas nas ruas.
Muitos enfrentaram situação semelhante no passado. Fábio Corrêa, o Kimba, 47 anos, viveu a realidade das ruas durante 17 anos em Porto Alegre.
Na época, os motivos para sair de casa foram o uso de álcool e drogas e brigas com a família. Passou por tratamento e hoje está recuperado da dependência química. Atualmente, Kimba tem trabalho e menciona que, graças ao Bolsa Família, consegue alugar uma casa pequena no bairro Glória.
Ao recordar o tempo que passou nas ruas, ele também aponta a necessidade de sair antes das 7h como principal ponto negativo, especialmente em dias de frio e chuva.
— Uma vez, aconteceu de eu sair de um albergue cedo, era noite ainda, e chegar na Cidade Baixa. Os bares estavam abertos, pessoas bebendo e fazendo festa. Isso quebra o clima para uma pessoa em situação de vulnerabilidade que tenta ter uma outra trajetória — ilustra Kimba.
O padeiro Edisson José Souza Campos, 39, também frequentou, em outros tempos, albergues na Capital. Desde que deixou a rua, ele vive em uma pensão e consegue pagar o próprio aluguel. E ainda milita no Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).
— Os albergues que eu frequentava não existem mais. Eu ia pouco por causa da rotina dos abrigos. Na barraca, tu tem mais condições e pode ficar dormindo até mais tarde — compara, salientando que escolheu viver na rua para ter mais liberdade.
Porto Alegre tem três albergues, segundo prefeitura
A reportagem de GZH entrou em contato com a prefeitura de Porto Alegre, por meio da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), para entender quantos são e como funcionam os albergues na Capital.
A rede municipal informou a existência de três albergues em parceria com duas Organizações da Sociedade Civil (OSCs).
Leia a nota na íntegra:
"Das mais de 20 unidades de atendimento às famílias em situação de vulnerabilidade, risco social e população de rua, a rede municipal de Porto Alegre possui três albergues para acesso das 19h às 7h. Esta modalidade de acolhimento é ofertada em parceria com duas Organizações da Sociedade Civil (OSCs).
O serviço de pernoite disponibiliza dormitório, cuidados de higiene e alimentação. Atualmente, das 272 metas de acolhimento, a média é de 220 acessos por noite."
Onde ficam os albergues de Porto Alegre
- Albergue Dias da Cruz: Avenida Azenha, 366 – Azenha
- Albergue Acolher 1: Rua Dr. João Simplício, 38 — Vila Jardim
- Albergue Acolher 2: Rua 7 de Abril, 315 – Floresta