Dizem que o Guaíba causou um trauma nas pessoas. Que algumas sequer querem vê-lo de perto tão cedo. Para colocar o Cisne Branco navegando novamente sobre ele, a proprietária Adriane Hilbig entendeu que era preciso fazer as pazes com suas águas. Apostando no simbolismo do Dia do Amigo, a volta da embarcação turística ocorreu na noite deste sábado (20), com uma festa a bordo do barco.
Foram 78 dias atracado, sem realizar qualquer passeio, mas dando suporte às equipes que operavam resgates na Orla. Adriane só havia enfrentado crise semelhante em 2016, quando o barco herdado do pai virou de lado e naufragou, ficando paralisado por nove meses. As viagens também pararam na pandemia, mas o drama nada tinha a ver com o Guaíba.
Quando as 219 pessoas que compraram ingresso para a festa da retomada já haviam se acomodado, a empresária pegou o microfone para agradecer a tripulação formada por cinco marinheiros. Foram eles que cuidaram do barco turístico mais famoso de Porto Alegre, em atividade desde 1978, quando o rio não era causa de alegria, mas de pânico.
— A gente passou muito tempo amaldiçoando o Guaíba. Precisamos ter orgulho dele e de nossa cidade — disse.
Com os braços apoiados na lateral da popa, Josane Fritzen admirava a costa iluminada pelas luzes da cidade. Ela mora em um apartamento térreo na Rua dos Andradas, próximo à Usina do Gasômetro, em um pequeno trecho que, por sorte, não alagou. A babá de 32 anos não entende a raiva que as pessoas podem nutrir pelo Guaíba. Natural de Arroio do Meio, cresceu testemunhando os reveses provocados pelas cheias do Rio Taquari.
— As pessoas não têm noção que o Guaíba é independente. Não tem como ter raiva de algo que faz parte da natureza. Temos que aprender com ele, em vez de ter raiva. Sempre digo que a natureza é boa em nos apresentar problemas sobre os quais nunca havíamos pensado — argumentou a mulher, que fazia o passeio acompanhada de duas amigas.
No alto do convés, onde os passageiros conversavam animadamente e alguns arriscavam passos de dança, Andressa Griffante mirava a costa a partir de um ponto pouco usual que o rio oferece. Com as malas prontas para mudar-se para Belo Horizonte na companhia da cachorra Paçoca, resgatada da enchente, a jornalista de 36 anos quis despedir-se da cidade natal com o tradicional passeio de barco. Na segunda-feira (22), embarca rumo à nova vida.
— Embora o Guaíba tenha parte nas tragédias que se sucederam, Porto Alegre se relaciona há muito com ele. Agora, sabe-se que esses eventos extremos podem acontecer.
Adriane Hilbig não pretende tratar a enchente como assunto encerrado. Pelo contrário. Planeja roteiros educativos com o Cisne Branco, misturando informações sobre o rio e suas cheias históricas. Acredita que é olhando para o que aconteceu, em vez de negar ou esquecer, que tragédias serão evitadas. Enquanto os novos passeios são finalizados, o barco voltará com as rotas tradicionais aos finais de semana.
- Ouvi muita gente dizer que nunca mais quer olhar para o Guaíba. Eu, pelo contrário, amo ele cada vez mais. A gente precisa entender que Porto Alegre nasceu do rio. Os açorianos vieram dali. Até meus 10 anos, eu tomava banho no Guaíba. Mas em 50 anos, poluímos esse rio. Nós só preservamos aquilo que conhecemos. Se tivermos consciência, o cuidado será diferente.