Quem ouvia as risadas contagiantes dadas pela venezuelana Daniela del Carmen, 37 anos, na manhã desta quinta-feira (20), não apostaria que a tristeza foi a grande companhia dela durante o último mês. A dona de casa deixou seu país de origem há cerca de dois anos e se instalou com o marido e os oito filhos em Porto Alegre, no bairro Sarandi, chão que permitiu à família iniciar uma vida nova. Mas, em maio, tudo isso foi por água abaixo. Daniela viu sua casa ser invadida pela enchente e, agora, precisa recomeçar outra vez.
— Não é fácil iniciar tudo de novo, mas é preciso — disse.
Daniela era uma entre as dezenas de imigrantes que compareceram à sede da Aldeias Infantis SOS na manhã desta quinta para celebrar o Dia Mundial do Refugiado. A instituição do bairro Sarandi recebeu o evento promovido pela agência da ONU para Refugiados (ACNUR), a Migraflix e a World Central Kitchen para marcar o 20 de junho. A ação iniciou por volta das 11h e se estendeu até as 18h, com serviços de orientação jurídica e encaminhamento de benefícios, entrega de donativos e distribuição de refeições para imigrantes refugiados que vivem no Sarandi, além da comunidade local.
Por volta do meio-dia, o vice-governador Gabriel Souza passou pelo local.
— O Rio Grande do Sul é o terceiro Estado com maior número de refugiados do país, cerca de 43 mil pessoas. Nós somos um povo acolhedor, um povo solidário, e é por isso que todos são bem-vindos aqui — disse.
Entre o cardápio oferecido no evento, as arepas venezuelanas foram as grandes estrelas. São bolinhos feitos de farinha de milho pré-cozida, a chamada "farinha pan", recheados de frango, carne ou queijo. Para quem vive longe de sua terra natal, a iguaria tem gosto de aconchego.
— Foi do que eu mais gostei, estão divinas (risos) — brincou Daniela. — O melhor, na verdade, é poder falar com alguém sobre minha vida, o que passei e o que estou passando. Não é fácil. Quando me perguntam da minha vida, eu me ponho a chorar, porque, realmente, não é fácil. Mas ter alguém para me ouvir falar sobre isso, alivia — confessou a venezuelana, indo do riso às lágrimas.
Ela compareceu ao evento do Dia Mundial do Refugiado acompanhada da amiga Annis Chinibas, 47 anos, também venezuelana. As duas se conheceram já em Porto Alegre. Quando chegaram à Capital, elas dividiram a mesma casa na Aldeias Infantis SOS, que servia de moradia temporária para imigrantes refugiados. Annis também teve sua casa no Sarandi atingida pela água barrenta da enchente. Mas, nesta quinta, as duas amigas decidiram que a tristeza não teria mais espaço em seus dias. Aproveitaram a confraternização para colocar os assuntos em dia, falar besteiras e gargalhar.
— Quando há uma reunião assim, a gente procura vir, porque é a oportunidade de conversar, rir e encontrar os amigos — disse .
As venezuelanas Fiomar Mendonza, 32 anos, e Adriana Carreno, 32 também compareceram ao evento. Vizinhas no bairro Sarandi, as três não tiveram suas casas inundadas, mas perderam móveis por conta da umidade trazida pela água que se acumulava na rua. Foram ao evento para buscar doações e celebrar a data simbólica.
— Ser refugiado é acreditar no sonho de uma vida melhor — definiu Fiomar.
Ela deixou a Venezuela há cerca de cinco anos. Antes de chegar ao Brasil, buscou refúgio no Peru, mas diz não ter encontrado o que esperava.
— As coisas lá são muito difíceis para os imigrantes. É difícil conseguir trabalho, difícil emitir documentos e há muita discriminação. No Brasil, está sendo bem diferente. É um país que acolhe. Aqui está a prova, né!? — disse a refugiada, que vive em Porto Alegre há sete meses.
Para a venezuelana Maireth Campos, 42 anos, o evento desta quinta também foi uma oportunidade de rever conhecidos e se reaproximar de seu país. Vivendo no Brasil há quatro anos, ela define o país como "um lugar de oportunidades para todos", mas diz que sente falta da Venezuela.
— Nós vamos tentando matar a saudade como podemos — disse, enquanto degustava, feliz, uma arepa de frango. — A farinha pan é cara aqui, então, não é sempre que dá para fazer em casa. Agora, com a enchente, também ficou difícil encontrar para comprar. Temos um grupo em que avisamos onde tem disponível (risos) — contou.
Remediando a saudade, Maireth sonha em um dia poder voltar à Venezuela. Quando for possível, levará consigo a melhor lembrança do que viveu no Brasil: a pequena Calreth, seis meses, nascida aqui.