Os cachorros Banzé, Lost, Aurora, Thor e Ghoda não tiram os olhos do passeador Tarlison Suello, 46 anos, enquanto aguardam no gramado do entorno da Ponte de Pedra, no Largo dos Açorianos, em Porto Alegre. Resgatados de situação de rua, todos vivem sob os cuidados do tutor, que tem como atividade profissional levar grupos de pets para passear.
— Conseguir me comunicar com os cães, e eles me entenderem: isso é o top. Treinamento de cães é comunicação — afirma o dog walker, como são conhecidos os passeadores, que começou na atividade como adestrador e hoje também oferece hospedagem para os animais com os quais está habituado a passear.
Conversar com Tarlison Suello é mergulhar no universo canino e na psicologia que envolve trabalhar com os cachorros. O passeador atua há 11 anos na atividade. Antes, esteve por 13 anos na área de relacionamento com clientes em uma empresa de telefonia.
— Estava no limite psicológico de já acordar de manhã chorando por ter de ir trabalhar — recorda ele.
Em função do estresse, Tarlison decidiu virar a chave e mudar de vida. Conheceu o ramo dos dog walkers quando visitou Buenos Aires, na Argentina. Fazia graduação e, em uma disciplina, a proposta era a criação de uma empresa fictícia.
Em seguida, fez pesquisa de mercado, planejamento estratégico e cursos em São Paulo. Ou seja, foi buscar o conhecimento sobre a profissão de passeador e partiu para a panfletagem. Começou a trabalhar em outubro de 2013 e criou o Patas na Rua.
— As panfletagens não ajudavam muito. Descobri que o melhor marketing nesta área é o boca a boca. É a indicação de um cliente para outro — diz.
Um dos bairros onde primeiro ofereceu o serviço foi o Moinhos de Vento, mas atualmente centraliza os passeios apenas na Cidade Baixa e no Farroupilha. Também não aceita conduzir mais de seis cães por passeio. E explica o porquê:
— É uma perda de qualidade para o animal. Não é só colocar uma guia no cão e sair pra caminhar. Tem uma questão psicológica envolvida.
Na sexta-feira (15), enquanto a reportagem entrevistava o profissional, os cinco cães olhavam atentos para o tutor. Os outros dois (Paloma e Estopa) ficaram em casa. Pessoas paravam para fotografar e elogiar os animais. Com um sorriso aberto, Tarlison não escondia a felicidade.
— O maior prazer é a criação de vínculos com os cães. Preciso que eles estejam bem conectados comigo. Tento criar sempre o maior reforçador positivo para eles da minha pessoa — explica, enquanto distribuía afagos e partículas de ração seca para os pets.
Perfil da clientela
Segundo conta, os clientes confiam tanto nele que deixam a chave do apartamento sob sua responsabilidade. O perfil de quem o procura é exatamente aquela pessoa que trabalha o dia inteiro fora de casa e não tem tempo para se dedicar a um passeio de qualidade com o cão. Então, ele entra em cena, busca cada cachorro para os passeios e depois os entrega de volta. As caminhadas duram entre 45 minutos e uma hora.
Tarlison cobra R$ 40 para os clientes sazonais. Já para os permanentes, o valor cai para a metade. E se algum tutor tiver dois cães, por exemplo, o segundo animal ganha mais 50% de desconto. Mas para isso acontecer é preciso fechar um pacote mensal, que geralmente oferece entre 20 e 24 dias de passeios.
Em relação aos percursos pela cidade, salienta que as distâncias são o menos importante.
— O passeio de qualidade não são os quilômetros percorridos, mas sim qual a qualidade que está tendo. Se o cão quiser ficar uma hora cheirando um poste, isso é qualidade para ele — assegura.
Questionado sobre os segredos para evitar que os cachorros briguem entre si durante as andanças, o passeador explica:
— A partir do momento que tu começas a entender a linguagem do cão, tu consegues fazer um bom manejo do ambiente. O comportamento é disparado pelo ambiente. Para existir a briga, tem que haver um antecedente. Cabe a mim, como profissional, identificar o antecedente e não deixar ele se manifestar para que não haja o comportamento de briga.
Tarlison garante que nunca houve conflitos entre integrantes de seus grupos, mas ele cita que já foi mordido em alguns momentos. E vê isso com naturalidade. Entre suas ferramentas de trabalho, estão potes e água, petisqueira com ração e saquinhos para recolher as fezes.
Investimento em preparação
Para o passeador, a sociedade não percebe ainda a abrangência da atividade, nem tem ideia dos gastos em busca de conhecimento nessa área.
— As pessoas ainda enxergam muito este trabalho como uma cereja do bolo. Eu digo para elas que é apenas a ponta do iceberg. Gasto R$ 15 mil por ano em cursos. As pessoas não conseguem enxergar isso ainda — lamenta.
Não muito diferente, as cadelas Nina, Bebel e Estrela não dão um minuto de sossego durante a entrevista para a passeadora Ingrid Moldt, 58. Ela ainda atua como cat sitter e produz patês naturais para cães.
— O que me levou a trabalhar como passeadora de cães foi por eu ter um cão. Na época, não se estudava tanto sobre comportamento — compartilha Ingrid, que atua há 16 anos nesse ramo.— Proporcionar aos cães um mínimo contato com a natureza e exercitar os comportamentos naturais faz parte do equilíbrio físico e emocional deles — completa.
No começo, ela fez um curso de banho e tosa. Costumava oferecer o serviço a domicílio. Também era envolvida com a causa da defesa dos animais. Depois disso é que pensou em começar a passear com os pets. A ideia inclusive foi uma forma de conseguir ficar próxima do seu próprio cão.
— Sou bióloga e apaixonada por animais. Comecei com o meu cachorro e mais outros cães — menciona, dizendo que gosta de conduzi-los pelos parques Farroupilha (Redenção) e Marinha do Brasil.
Rapidamente, tornou-se conhecida na Cidade Baixa. Além disso, agenda passeios pelo Centro Histórico. E assim os clientes foram aparecendo em busca de sua atividade.
— O meu lance é o bem-estar e o relaxamento do animal. Daquele passeio ser bem efetivo para o cão — resume.
Os valores que ela cobra dos clientes também variam conforme pacotes. Geralmente, o passeio de uma hora sai por R$ 30. Mas tudo pode ser combinado.
— Nem pego quando a pessoa pede menos tempo, exceto se for um cão idoso que não pode caminhar muito — pontua.
Apesar de não ser adestradora, ela estuda o comportamento animal. Na rotina como passeadora, já testemunhou cenas emocionantes:
— Às vezes, tu estás com um monte de cães e o morador de rua, que está lá juntando lixo, vem e agrada o cachorro. Isso me toca muito.
Também recorda a história de um senhor de quase cem anos, que não conseguia mais falar e era visto rotineiramente em uma cadeira de rodas na Cidade Baixa.
— Sempre que me encontrava, esse senhor gesticulava para a cuidadora dizendo que queria parar e fazer carinho nos cães. Isso me emocionava bastante — relata.
A dog walker conclui sobre o que dá mais prazer nesse ofício:
— É saber que estou fazendo um animal mais feliz. Os cães vivem a nossa vida urbana e precisamos adequar a nossa vida a deles, mas que ela seja prazerosa e eles tenham qualidade de vida.
Onde encontrá-los
- Para procurar o serviço de Tarlison Suello, basta procurá-lo no Instagram (@patasnarua).
- Já para achar Ingrid Moldt, o endereço na mesma rede social é manjardocusco.