Moradores de um condomínio no bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre, atingido por uma explosão no dia 4 elaboraram um relatório sobre o incidente, enviado ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) e à Defensoria Pública. As narrativas dos usuários de nove dos apartamentos são unânimes em apontar que os bombeiros que tentavam verificar um vazamento de gás na torre 10 não desligaram a energia elétrica no prédio. Há relatos de que a explosão aconteceu quando um morador ligou a luz de um apartamento.
O acidente deixou feridas nove pessoas, uma das quais morreu em decorrência de queimaduras. Entre os feridos estão dois bombeiros militares.
O abastecimento de gás é centralizado no condomínio. A detonação forçou a evacuação de quatro torres, cujos moradores até agora não podem voltar aos apartamentos, devido ao risco de desabamento da parte atingida. Alguns acamparam no salão de festas do residencial. Os edifícios, com 440 unidades (cerca de metade delas ocupadas), são novos e ficam na Rua Inocêncio de Oliveira Alves, próximos à esquina com a Rua João Fázio Amato.
O relato dos moradores corrobora narrativas do dia seguinte ao desastre, de que a explosão aconteceu logo após alguém ligar a luz de um apartamento. Teria sido causada pela junção de eletricidade com gás.
A reportagem contatou agora diversos condôminos, que dizem que um condômino apertou o interruptor de uma lâmpada, mesmo após ser avisado por um bombeiro de que o gás poderia estar vazando em seu apartamento.
As narrativas coincidem num ponto: a guarnição do Corpo de Bombeiros não desligou a eletricidade dos prédios, nem quando chegou para verificar o vazamento, nem após a detonação. Os moradores tiraram fotos do edifício com luzes ligadas, inclusive dentro dos domicílios.
Em seu site oficial, o Corpo de Bombeiros do RS disponibiliza um material educativo que ensina procedimentos básicos para evitar explosões e incêndios. Na seção "Cuidados com Gás Liquefeito de Petróleo (GLP)", no quarto item está escrito: "Ao sentir cheiro de gás, não acione o interruptor de energia, tampouco acenda isqueiros ou fósforos".
Uma das testemunhas do acidente ouvidas pela reportagem é Mauren Chemenski de Quadros Vieira, que trabalha numa padaria e reside na torre 10, no mesmo andar onde aconteceu a explosão.
— Eu identifiquei o vazamento, desligamos o gás. Quando os bombeiros chegaram, subi com eles até o apartamento dos vizinhos, de onde vazava. Era tanto gás que parecia barulho de panela de pressão. Os moradores abriram a porta no escuro e o bombeiro perguntou: "Tem vazamento aí?". Os rapazes que moravam apenas murmuraram, estavam meio tontos. Com o cheiro, os bombeiros pediram para descermos e se despediram dos habitantes, dando "boa noite". A porta fechou, descemos as escadas, uma lâmpada acendeu e o prédio explodiu. Os bombeiros não desligaram a luz, nem a geral, nem a dos apartamentos — recorda Mauren, que ainda tem no corpo estilhaços de vidro das janelas que arrebentaram.
Outro morador, da torre 9, confirma o relato de Mauren. É o assessor jurídico Gabryel Nunes. Ele disse que estava acordado quando o porteiro do condomínio desligou o gás. Depois viu os bombeiros chegarem e ficou tranquilo.
— Achei que, se tivesse perigo, eles nos avisariam ou evacuariam. Não deu cinco minutos e aconteceu o estrondo. Descemos de pijama mesmo, eu até de pés descalços, junto com uma calopsita de estimação. Fiquei bem surpreso que os bombeiros não desligaram a luz do prédio e que a evacuação dos prédios foi por iniciativa dos próprios moradores. Temos fotos que mostram isso, torre com luz acesa mesmo após o acidente. E deveria ser a primeira coisa a ser desligada — avalia o morador.
Os moradores relatam que a explosão aconteceu quando a luz do apartamento 303 da torre 10 acendeu. Ali residiam Tiago Lemos, 38 anos, e outro rapaz. Lemos teve queimaduras em 90% do corpo e morreu após atendimento hospitalar. O outro morador segue na UTI, em estado grave.
Queixas constantes em relação ao gás
Todos os moradores do condomínio ouvidos por GZH relatam problemas constantes de vazamento de gás desde que os prédios começaram a ser ocupados, em julho de 2023. No relato enviado ao Ministério Público, os condôminos relatam dois fenômenos:
- o gás saía com muita pressão das mangueiras, inclusive provocando queima de panelas; e
- quando colocada a mangueira, a conexão da parede girava junto, deixando escapar gás.
Pelo menos seis moradores relataram vazamentos de gás em seus apartamentos, ao longo deste ano. Informações da Defesa Civil, com base em perícias preliminares e relatos de condôminos, indicam que vazamento em conectores dos cilindros do gás central pode ter ajudado a provocar a explosão.
Contraponto
Nesta terça-feira, o comandante Regional Metropolitano do Corpo de Bombeiros Militar, coronel Ricardo Mattei, disse na tarde desta terça-feira (9), em entrevista ao programa Gaúcha+, que a corporação vai abrir investigação para apurar uma possível falha humana no atendimento dos agentes.
— Como houve a intercorrência, possivelmente houve alguma falha procedimental no atendimento. Se realmente aconteceu, essa foi a principal falha. É o que estamos levantando — disse Mattei.
Com relação ao corte de energia elétrica antes da inspeção, Mattei disse que não seria cabível fazer o desligamento, porque segundo ele, se ocorresse, as pessoas poderiam ligar velas e similares, o que poderia ser ainda mais grave ao fato ocorrido no local.
Na quinta-feira, dia do acidente, o Corpo de Bombeiros divulgou nota em que confirma que a corporação foi acionada para verificar possível vazamento de gás no condomínio e que atuavam para evacuar o prédio no momento em que a explosão aconteceu.
"O CBMRS informa, ainda, que os dois bombeiros militares seguiram atuando na ocorrência, auxiliando na evacuação do local, mesmo após a explosão. E somente após a chegada do efetivo de reforço é que receberam atendimento médico", registra o comunicado.