Cansados de esperar pelo retorno da energia elétrica, moradores do Edifício Dom Vicente, localizado na Rua Félix da Cunha, em Porto Alegre, tomaram uma medida drástica: decidiram espalhar cadeiras ao longo dos 15 andares. A medida visa possibilitar paradas de descanso para os idosos, grande maioria dos habitantes dos 92 apartamentos.
A aposentada Renée Varga, de 74 anos, precisa enfrentar a realidade da falta de energia desde terça-feira (16) no prédio onde mora há 14 anos sozinha no terceiro andar. Ela tem um estado de saúde delicado, pois já teve três acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e possui três stents no coração.
— Vou colocar todos os alimentos fora. E levo o celular para carregar na casa da minha filha na Rua Barão do Amazonas — explica Renée, dizendo que não consegue dormir por causa do calor e fica à luz de velas dentro do apartamento.
O vaivém de moradores pelo hall do prédio é constante. Com os dois elevadores fora de funcionamento, as pessoas não têm como evitar a longa subida por centenas de degraus em forma de caracol. Muitos sobem com alimentos e água, outros tantos descem com diversos gêneros alimentícios estragados pela falta de refrigeração.
A aposentada Ivete da Rosa, 75, descia com um saco de lixo e uma bolsa térmica cheia de alimentos. Vinha do 15º andar e compartilha que nunca passou por apuro semelhante em sua vida.
— Está sendo difícil e tenho tirado tudo da geladeira. Dou para quem precisa — diz.
Os moradores do edifício não sabem mais a quem recorrer. E cogitam até promover uma manifestação pacífica bloqueando o cruzamento da Avenida Cristóvão Colombo com a Félix da Cunha. Acreditam que seria a única forma de chamar a atenção das autoridades para o seu problema.
A professora Ane Meyer, 47, mora no nono andar há 15 anos. Chegou na quarta-feira (17) de Imbituba, em Santa Catarina, e deu de cara com essa situação. Também já jogou fora a comida, carrega o celular em um café dos arredores e pede alimento por telentrega.
— Estou tentando pedir auxílio pelos telefones 156 (da prefeitura) e 199 (Defesa Civil), mas as ligações caem quando pedimos sequência no atendimento — relata.
O fotógrafo Bruno Peres, 36, precisa subir no escuro até o 11º andar, onde mora e trabalha em regime de home office. Ele perdeu tudo que estava na geladeira e carrega o celular na casa da mãe.
— No posto de gasolina (que existe em frente ao edifício) está dando briga de moradores por tomadas para carregar o celular — atesta.
O cientista político Roberto Schmidt, 50, mora no 11º andar.
— O pior é a escuridão total que a gente está. Não falo da escuridão física, mas da comunicativa da CEEE Equatorial. Não sabemos nada do que vai acontecer — lamenta, salientado que imóveis praticamente ao lado estão com luz.
A professora Laureci Jorge da Silva, 55, tem um pouco mais de sorte. Vive no primeiro andar, ou seja, não precisa se deslocar verticalmente e vencer tantos degraus. Ela carregava um grande saco de gelo na manhã desta sexta.
— Estou trazendo gelo para salvar a comida. Perdi 90% do que estava na geladeira. E tenho minha sogra, de 87 anos, que precisa tomar banho frio — detalha.
A docente já está tendo prejuízo com a falta da luz. Tem gastado em média R$ 100 por dia para lavar as roupas na lavanderia. E foi com o marido passar um dia em um hotel para o casal poder tomar banho quente e carregar os celulares. Gastou mais R$ 120 reais nessa diária.
— Para nós é complicado, mas reconhecemos que tem gente ainda pior do que nós — observa o marido Cleiber Rocha, 63, que trabalha como cantor e compositor.
A aposentada Lia Terezinha Padilha de Mello, 80, menciona a insegurança de estar às escuras. Ela vive sozinha no 14º andar e está com medo.
— Fiquei em um mundo da fantasia sem luz. É um transtorno, um horror e não sei até quando meu coração vai aguentar — revela, dizendo que sairia em seguida para almoçar em algum restaurante da região.
Árvore caída na Rua Félix da Cunha
Uma árvore caída em cima de um estacionamento, na altura do número 435 da Rua Félix da Cunha, seria o motivo de o prédio estar sem energia. Nesta sexta-feira (19), a reportagem de GZH esteve no local onde a árvore está caída. É possível ver fios, inclusive de alta tensão, presos nos galhos.
O funcionário do estacionamento Weslley Machado Santos conta que já havia solicitação junto à prefeitura para a poda da árvore. Segundo relata, os bombeiros estiveram no local na quarta-feira (17), quando isolaram a área. Um pequeno caminhão da CEEE Equatorial teria ido ao endereço na quinta-feira (18), mas foi embora sem resolver a situação.
O que diz a CEEE Equatorial
A reportagem de GZH questionou a CEEE Equatorial sobre o problema em relação ao edifício da Rua Félix da Cunha. Até a publicação desta reportagem, a distribuidora de energia não havia respondido, nem enviado uma nota oficial com qualquer justificativa.
Uma coletiva será dada por integrantes da CEEE Equatorial, na tarde desta sexta-feira (19), na sede da empresa, para explicar o que está sendo feito em sua área de concessão em Porto Alegre e na Região Metropolitana.