Entre bares, restaurantes, cervejarias e casas de festa, a região conhecida como 4º Distrito, na zona norte de Porto Alegre, vem se consolidando como uma das principais alternativas da vida noturna na cidade.
Em crescimento constante nos últimos cinco anos, a área que abrange os bairros Floresta, São Geraldo, Farrapos, Navegantes e Humaitá passou a receber um público mais cativo a partir do arrefecimento da pandemia, e é visto pela prefeitura como um dos pontos mais atrativos para o lazer e a cultura da Capital. Apesar disso, empresários, frequentadores, moradores e autoridades ainda lidam com desafios para transformar a região — repleta de armazéns vazios e ruas desocupadas — em um ponto pulsante.
Atualmente, a área mais badalada se concentra entre os bairros Floresta e São Geraldo, mais precisamente na zona delimitada pela Rua Álvaro Chaves e a Avenida Polônia. Esse fragmento, com cerca de um quilômetro de extensão, tem sido chamado pela própria prefeitura de "quadrilátero do entretenimento", por ser onde fica a maioria dos estabelecimentos.
A reportagem de GZH esteve no local e visitou algumas das opções de bares. Com a chegada das temperaturas mais baixas à noite, o público era menor do que o habitual. Mesmo assim, havia uma movimentação considerável de clientes.
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O Jardim São Geraldo é um dos lugares que simboliza o crescimento recente do 4º Distrito. Inaugurado há três anos e meio, o bar e restaurante foi um dos primeiros da região e viu diversos outros abrirem ao redor, principalmente nos últimos dois anos.
— Mudou bastante. Era um público bem limitado, geralmente sempre as mesmas pessoas vinham pra cá. O bairro está crescendo para um público novo, pessoas novas. O legal aqui é que cada bar tem uma identidade, o que atrai diferentes tipos de pessoas — comenta a gerente, Mariana Kny.
Um dos pontos que mais representa essa diversidade é o final da Rua Conselheiro Camargo. O Agulha, um dos primeiros estabelecimentos culturais na região, se diferencia dos demais locais por oferecer shows de música.
A psicóloga Caroline Ferreira frequenta o espaço praticamente todos os fins de semana há pelo menos cinco anos.
— Aqui (4º Distrito) se tornou um lugar democrático, que atrai pessoas de regiões como Zona Norte ou até mesmo Região Metropolitana, que não iriam para o Moinhos de Vento, por ser outro tipo de público, ou para a Cidade Baixa, que é mais longe — afirma.
Não repetir o erro das outras regiões
A busca para tornar o 4º Distrito a principal opção de lazer e entretenimento da cidade une empresários que trabalham para impulsionar a região. Uma das principais viradas de chave para o aumento da movimentação foi a realização da festa de São Patrício, antes realizada na Rua Padre Chagas, no Moinhos de Vento. Desde 2022, o tradicional festejo de origem irlandesa é celebrado em ruas dos bairros São Geraldo e Floresta.
— A galera vê que é uma oportunidade de aprender com os erros que foram cometidos em outras regiões e aproveitar para potencializar os acertos que elas tiveram, usando as peculiaridades do 4º Distrito — explica Johnny Hickes, um dos administradores do Quarto POA, empresa que está por trás da realização do evento.
Um dos principais argumentos de quem defende a utilização da região na vida noturna é o fato de o bairro ter poucas residências em volta. O conflito entre moradores e frequentadores permeia o debate em outras partes da cidade, como a Cidade Baixa e o Moinhos de Vento. Neste caso, a baixa densidade demográfica é um fator favorável à ocupação do espaço público.
— O entretenimento é muito bom, desde que seja longe da nossa casa. Eu vejo o 4º Distrito nesse sentido: uma área menos populosa do que todas as outras, que foram ocupadas em outros momentos de Porto Alegre. Ela é com certeza a zona urbana com menor demografia de gente vivendo — explica Vicente Perrone, diretor do 4D+, setor da prefeitura voltado a tratar assuntos da região.
Paralelamente, a valorização da área tem atraído empreendimentos residenciais, fazendo com que a vizinhança comece a se estabelecer ao redor. Nos últimos anos, com a abertura de empresas, fábricas e estabelecimentos comerciais, mais pessoas passaram a se mudar para perto do 4º Distrito, onde trabalham diariamente.
É o caso da empresária Júlia Zardo, que possui uma fábrica de esquadrias e vive hoje em um condomínio de prédios na Avenida Polônia. Para ela, ao contrário de outros bairros, em que as residências se estabeleceram antes dos bares, quem for se estabelecer na área já estará ciente de que se trata de uma zona mais boêmia.
— Eu não sei se geraria essa situação como existe no Moinhos e na Cidade Baixa, porque o bairro começou sendo um boêmio e aos poucos foi se abrindo espaço para a moradia. Então, subentende-se que quem venha morar aqui sabe que o bairro tem essas questões de festas e barulhos, então a pessoa que não quer isso não procuraria aqui para morar — argumenta.
"São os lugares privados que dão vida à região"
Apesar do entusiasmo, pessoas que vivem o 4º Distrito diariamente reconhecem problemas que impedem um maior movimento na região. A reportagem constatou que, apesar de bares e casas noturnas cheios, as ruas permanecem praticamente vazias.
Proprietário do Fuga, Gabriel Santos observa uma discrepância entre a evolução dos estabelecimentos e o desenvolvimento nos espaços públicos.
— Fora (dos bares) a gente vê pontos de abandono público, falhas na iluminação e na segurança. Até agora eu vejo que são os lugares privados que dão vida à região — comenta.
A mesma impressão é trazida por uma cliente do bar. A recepcionista Giulia Schmidt trabalha na região há quatro anos e, apesar de destacar o crescimento, reitera que é preciso aprimorar a segurança nos bairros.
— Antes era uma zona morta, hoje há mais opções de lazer. Mesmo assim, a região ainda peca pela falta de segurança. Acho que mudando isso, tendo um controle maior, a região só tende a crescer ainda mais — afirma Santos.
Dados do 9° Batalhão de Polícia Militar (9° BPM) mostram que, nos primeiros quatro meses do ano, houve 125 roubos a pedestres registrados no Floresta e 80 no São Geraldo. Os números são superiores a outros bairros que possuem opções de bares e restaurantes como Bom Fim (79), Rio Branco (55), Moinhos de Vento (46), Independência (41) e Santa Cecília (18).
O representante da prefeitura nesse tema reconhece este como um dos principais problemas a serem resolvidos.
— Não podemos negar que existe ainda um receio e uma sensação de insegurança no bairro. Ele é historicamente ocupado por moradores de rua, por áreas ainda inabitadas, inclusive que ficam quarteirões inteiros sem ninguém — aponta Perrone, que garante que os serviços já estão sendo colocados em prática pela prefeitura.
Outra questão polêmica diz respeito às comunidades da região. Atualmente, a vida noturna mais ativa ocorre nas proximidades da Vila Santa Terezinha, também conhecida como Vila dos Papeleiros e situada às margens da Avenida Castello Branco e da Rua Voluntários da Pátria.
Quem vive no local alega não se sentir incluído pelas mudanças feitas na região. O líder comunitário Antônio Carbonero, por exemplo, afirma que o lazer e o entretenimento não são acessíveis às cerca de 300 famílias.
— Nós não somos bem-vindos aqui no bairro. Eles não nos abraçam aqui porque é uma vila de gente humilde e esse bairro virou nobre. O nosso divertimento é aqui dentro da comunidade, a gente tem uma quadra de esporte, tem uma pracinha para as crianças. Mas quando a gente vai em um bar aqui no 4º Distrito, ninguém nos olha bem — afirma.