Há 14 anos atuando no resgate de cães e gatos em situações de abandono e maus-tratos, a ONG Patas Dadas está sem um lugar para continuar trabalhando. A organização sem fins lucrativos ocupava um espaço cedido no Campus do Vale da UFRGS, no bairro Agronomia, em Porto Alegre, mas a universidade decidiu não dar continuidade ao projeto.
A ordem para desocupação exigiu que os voluntários retirassem no início da semana passada, às pressas, os equipamentos, medicamentos, alimentos, documentos e o mobiliário do local onde a ONG funcionava desde 2009 — e que teve as instalações melhoradas a partir de 2016.
Quinze cães que aguardavam por uma oportunidade de adoção foram colocados sob cuidados temporários de voluntários. A decisão da UFRGS deixou participantes do projeto inconformados.
— É uma atitude intransigente e que revolta as pessoas que há anos vêm doando seu tempo e recursos para auxiliar em uma causa importante. Aquela região, formada por grandes espaços verdes, é uma área onde ocorre cotidianamente o abandono de animais — lamenta Bruno Giozza, 23 anos, estudante de Biologia e voluntário na Patas Dadas.
Segundo ele, o grupo possui atualmente 30 integrantes. Como contrapartida pela ocupação do espaço no campus, onde a própria universidade edificou um canil para melhorar as instalações — que haviam sido improvisadas pelos voluntários —, a ONG mantinha um projeto de extensão no local, vinculando atividades acadêmicas aos serviços de proteção animal e prevenção de zoonoses.
Bruno afirma que a UFRGS teria sido intransigente diante dos diversos apelos dos participantes da iniciativa.
— Não fomos sequer avisados sobre a suspensão da licença para operação do canil. Não tivemos chance de fazer ajustes, nem de apresentar nossos argumentos. Nem mesmo resposta a e-mails que enviamos a universidade prestou — reclama.
Resgates produzem amizades duradouras
Para a analista de Comunicação e Marketing Queisi Freitas, 41 anos, a vida não seria a mesma sem a companhia do cão Luther. Resgatado do abandono pela Patas Dadas em 2019, ele é parte indissociável da rotina da moradora do Menino Deus desde então. É companheiro nas caminhadas pelas ruas do bairro e participa do cotidiano em casa, sempre perto da tutora.
Luther foi encontrado nos arredores do Campus do Vale. Estava com ferimentos profundos no pescoço, provavelmente por ter ficado amarrado por uma corda, sem água ou alimento. Estava desnutrido e desidratado.
— Li a história do resgate, a situação em que o bichinho foi deixado. Aquilo mexeu comigo. Resolvi ajudar com os custos de uma cirurgia que foi necessária para fechar os machucados. Continuei apoiando com os cuidados e a alimentação. Acabei me afeiçoando e decidi ficar com ele — conta.
Barulho teria sido motivação para o desligamento
De acordo com o relato dos próprios voluntários, a relação entre a ONG e a UFRGS passou a ficar estremecida a partir das queixas de moradores de uma localidade vizinha à área da universidade, já pertencente ao município de Viamão.
"O nosso canil, que foi construído na divisa entre o Campus do Vale e residências de Viamão, possuía uma Licença de Operação emitida pela Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental). Acontece que, entre 2017 e 2018, moradores da vila que fica a poucos metros do canil denunciaram a Universidade por conta dos latidos dos cães. Cães esses que, em sua maioria, foram abandonados na própria vila. Com isso, o DMALIC (Departamento de Meio Ambiente e Licenciamentos, ligado à Superintendência de Infraestrutura da UFRGS) ficou responsável por emitir laudos semestrais à Fepam com medição de ruídos, e esses foram considerados excedendo o limite para o local", reconhece o grupo, em nota remetida à imprensa.
A partir de 2020, o canil ficou fechado atendendo a medidas sanitárias decretadas em decorrência da pandemia. Sem animais no espaço, as medições teriam sido interrompidas pelo departamento da UFRGS que, por sua vez, teria informado à Fepam sobre o que consideraram como uma desativação das atividades.
Contudo, em 2021, os voluntários resolveram retomar as atividade. Em 2022, dizem ter sido "surpreendidos" ao serem convocados para uma reunião, na qual foram alertados de que estariam em situação "irregular" nas dependências da instituição de ensino.
A partir desse momento, conforme os voluntários, não houve mais espaços de diálogo com a UFRGS, o que resultou no encerramento formal do projeto de extensão vinculado à instituição de Ensino Superior e culminou, na semana passada, com o desalojamento da iniciativa.
PSOL protocola pedidos de audiência e informações à UFRGS
O encerramento das atividades da ONG Patas Dadas também virou objeto de procedimentos encaminhados por parlamentares gaúchas. A deputada estadual Luciana Genro e a deputada federal Fernanda Melchionna, ambas do PSOL, protocolaram duas solicitações em ofícios enviados à UFRGS.
No primeiro, dirigido à Superintendência de Infraestrutura (Suinfra), as parlamentares pedem respostas, "nos termos da Lei de Acesso à Informação", aos seguintes questionamentos: "1. Que medidas foram efetivamente tomadas pela Suinfra para resolver os problemas que levaram ao encerramento do vínculo entre a Universidade e o Patas Dadas? 2. Que ações foram executadas para garantir a melhora da qualidade de vida dos animais localizados no referido local? 3. A Superintendência pretende tomar medidas para rever a situação, possibilitando a retomada do espaço pelo projeto?".
No segundo ofício, as deputadas solicitam "com urgência" a previsão de disponibilidade de agenda ao titular da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico da UFRGS para tratarem sobre o assunto em reunião. Ambas assinam os dois pedidos conjuntamente.
Universidade se pronuncia após pedido via LAI
A Superintendência de Infraestrutura da UFRGS se pronunciou, na quarta-feira, 15 de março, em resposta ao pedido feito por intermédio da Lei de Acesso à Informação. O órgão explica que uma resolução interna da universidade estabelece a necessidade de que projetos de extensão possuam um coordenador responsável pela solicitação de espaço físico e um orientador acadêmico com atuação na área de conhecimento da atividade.
O documento, assinado pelo superintendente de Infraestrutura da UFRGS Reginaldo dos Santos Lopes, aponta que a atuação da ONG Patas Dadas estava vinculada ao Instituto de Letras da Universidade e que entre o final de 2021 e o começo de 2022, a instituição discutiu a questão da "poluição sonora" produzida no canil. "Diante das considerações apresentadas, a coordenação do projeto e a direção do Instituto de Letras optaram por não dar continuidade ao trabalho", define a resposta.