Depois de passar por desertos e paisagens deslumbrantes, enfrentar noites frias e dias escaldantes, dedicar muito esforço e contar com a colaboração entre colegas de esporte, um colombiano e um chileno transformaram Porto Alegre em uma etapa importante do sonho de conquistar a América do Sul sobre patins. A ideia inicial era completar seis países em seis meses com a chegada à capital gaúcha. Agora, a dupla quer ir além.
Anderson Zuluaga, 36 anos, saiu de sua casa, em Medellín, na Colômbia, em 14 de junho de 2022, sob as bênçãos da mãe e sobre rodinhas que não pararam mais de rolar. Fez amigos no meio do caminho, incluindo Leandro Sánchez, 28, que o acompanha desde o litoral do Chile.
— Foi muito difícil sair de onde eu vivia, me preparei por um ano e me esforcei muito para realizar. É a viagem da minha vida, tem uma importância até espiritual — conta o colombiano, analista de telecomunicações e patinador da modalidade downhill, focada em percorrer declives em alta velocidade.
Em 2017, Zuluaga perdeu o pai, Omar. Nos anos seguintes, foi uma memória póstuma do patriarca que deu a ele a resposta que buscava para reflexões sobre o sentido da vida. "Nunca troque a felicidade por dinheiro nenhum no mundo", dizia Omar, e a frase ganhou novos sentidos para o filho. Durante o confinamento imposto pela pandemia de coronavírus, Zuluaga resolveu que viajaria para encontrar a felicidade na estrada. De lá pra cá, já alcançou seis países e sentimentos que não encontrava levando uma vida que ele define como "monótona" na Colômbia.
— Se não juntar dinheiro suficiente, vou com o que tenho. Todo mundo duvidava que eu iria de fato fazer esta viagem. Mas o que eu tinha a perder? Pior seria não ousar ir atrás do sonho enquanto podia — diz, sorridente.
Foi muito difícil sair de onde eu vivia, me preparei por um ano e me esforcei muito para realizar. É a viagem da minha vida, tem uma importância até espiritual.
ANDERSON ZULUAGA
Patinador colombiano
Zuluaga atravessou sua Colômbia pelo sul, cruzou Equador e Peru com patinadores companheiros que o incentivaram a seguir em frente. Chile, Argentina e Uruguai completaram o cone sul do continente. No Brasil, já na companhia de Leandro, os dois começaram a aprender português, idioma que almejam dominar nas próximas semanas. Com uma parada estratégica em Porto Alegre desde sexta-feira (20), o próximo destino é o Rio de Janeiro, a 1,5 mil quilômetros, para o Carnaval, daqui a quatro semanas.
— Todos dizem que é a maior festa do mundo, queremos ir lá ver se é mesmo — brinca o colombiano, chacoalhando os ombros como quem tem a missão de apresentar a salsa à Sapucaí.
Pelo caminho, ficaram um relacionamento e a chance de competir em um mundial de patins na Argentina.
De repente, viajante
Leandro Sánchez patina por lazer e trabalho há quatro anos. Seus deslocamentos pelas ruas e estradas da praiana Valparaíso, no Chile, para diversão e para ganhar dinheiro como vendedor e entregador de aplicativos são todos com patins. Encontrou Zuluaga por meio de um amigo em comum e não pensou duas vezes quando teve chance de embarcar com o colombiano quando ele visitou o litoral chileno. Ao cruzar a fronteira com a Argentina pela Cordilheira dos Andes, Sánchez sentiu que tinha feito a escolha certa.
A empolgação foi tanta que os dois patinaram por 180 quilômetros naquele dia de outubro, quase o dobro do que, segundo a dupla, costumam viajar em 10 horas.
— Sonhava com a ideia de viajar de patins, mas não considerava uma coisa possível. Quando vi que tinha gente capaz de fazer isso, quis tentar. Me fez conhecer pessoas e me conhecer melhor também. Aprendemos muito com cada situação e cada cultura diferente, principalmente, a perder o medo de coisas que não conhecíamos antes — reflete o chileno, que nunca tinha saído do país onde nasceu até ingressar na aventura em outubro.
Sonhava com a ideia de viajar de patins, mas não considerava uma coisa possível. Quando vi que tinha gente capaz de fazer isso, quis tentar. Me fez conhecer pessoas e me conhecer melhor também.
LEANDRO SÁNCHEZ
Patinador chileno
Giro além dos limites
Somando todos os deslocamentos de Zuluaga entre Medellín e Valparaíso, onde Sánchez embarcou na aventura, e de lá até Porto Alegre, já foram percorridos aproximadamente 8.614 quilômetros. De automóvel, a distância seria feita em 110 horas e consumiria cerca de 538,3 litros de gasolina, considerando um carro econômico que anda 16 quilômetro por litro de combustível.
Com patins e carregando uma mochila que pode variar entre 10 e 15 quilos, a média percorrida é de 100 quilômetros a cada 10 horas de viagem e seis litros de água ingeridos — nos dias mais quentes e cansativos, contam ter bebido nove litros.
Em Porto Alegre, estão hospedados na casa do diretor da Federação Gaúcha de Patinação, Juliano Wagner, que apresenta a eles a cidade, onde onde dá aulas e mantém o grupo Poa Inline. Gostaram dos buffets que saborearam e se divertiram nas quadras do trecho três da orla do Guaíba. Conheceram um pouco da cultura gaúcha observando o Laçador e fazendo perguntas sobre a história daquela figura.
— É um esporte que pouca gente faz, então, quando encontramos gente que nem eles, ficamos muito felizes e apoiamos de todos os jeitos — diz o anfitrião. — Uma pessoa com motivações normais não consegue fazer isso que eles estão fazendo. O caminho que eles percorreram até aqui já está muito além dos limites do que é normal para qualquer patinador — completa Wagner.
A dupla e os amigos brasileiros estão organizando as próximas cinco paradas dos viajantes, a primeira delas, em Osório. Ficaram empolgados ao ouvir a descrição dos quase 100 quilômetros de três pistas com bom asfalto e acostamento largo da freeway, que liga a Capital ao Litoral Norte.
A volta
Se conseguirem chegar até o Rio de Janeiro nas próximas quatro semanas para o Carnaval, o momento de festa servirá para reavaliar o retorno da dupla. Até agora, alguns trechos foram feitos de carona ou em ônibus, o que pode ser uma alternativa para agilizar a chegada até a Cidade Maravilhosa ou para voltar aos países de origem em caso de exaustão física.
Caso sigam de patins, o retorno deve acontecer pelo centro do Brasil, dividindo seus caminhos entre o Paraguai e a Bolívia. Mais importante para os patinadores, no entanto, é o agora.
— Aprendi que a vida é um minuto que temos. E devemos aproveitar este minuto fazendo a melhor vida que pudermos. Esta viagem me ensinou a viver — conclui Zuluaga.