Em julho de 2017, um acidente de moto acabou mudando drasticamente a vida de Wallison Fortes, 26 anos, morador de Eldorado do Sul, na Região Metropolitana. Por conta das lesões, ele precisou amputar parte da perna direita. No entanto, o jovem pouco se abalou e usou o acontecimento como inspiração para lutar novamente por aquilo que, devido à idade, já tinha aceitado que não conseguiria mais: seguir carreira no esporte.
Hoje, como paratleta, no atletismo, Wallison é recordista brasileiro na corrida dos 200m rasos, com o tempo de 23 segundos e 42 centésimos, e, também, dos 400m rasos, com o tempo de 51 segundos e 84 centésimos. O próximo grande passo é participar dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024. Para isso, é exigido pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) que o atleta tenha uma classificação internacional, algo que não possui ainda, pois, apesar dos recordes, até então, não foi convocado para a seleção brasileira nem participou de torneios fora do país.
- Sei que não depende somente disso, tenho que estar bem preparado, sem nenhum risco de lesão, além de ser um espaço muito concorrido. Mas esse fator (a classificação internacional) faz toda a diferença. Também tenho em mente que, embora eu queira muito chegar nas Paralimpíadas, não posso abandonar tudo caso eu não consiga - diz o atleta.
Disciplinado
Para ter a tão sonhada classificação internacional e, de certa forma, facilitar o caminho para os Jogos Paralímpicos, Wallison viajará, no dia 11 de setembro, para o Marrocos, onde disputará a sexta edição da competição Internacional Para Athletics Meeting Marrakech. De acordo com o atleta, quem viabilizou esta oportunidade foi o empresário e pai, Marcos Fortes.
Na visão de Leonardo Ribas, treinador de Wallison, competições como esta são de extrema importância para a evolução do paratleta:
— Ele precisa aproveitar estas oportunidades, correr bem, para entrar nos critérios de qualificação que o CPB utiliza. Isso não é tão simples, não existe uma receita de bolo, pois são muitas variáveis que permeiam o treinamento, e a grande maioria delas não é controlável.
Embora resida em Eldorado, o atleta passa mais tempo em Porto Alegre, mais especificamente no Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), no bairro Menino Deus, onde treina seis vezes por semana. Leonardo destaca a evolução e o comprometimento de Wallison desde que começou no atletismo, no início de 2020:
— Ele tem se sobressaído, em especial, nas provas de 200m e 400m, mas também tem melhorado muito nos 100m. Acredito que a grande vantagem dele é o fato de ser muito perseverante e disciplinado, sempre buscando aquilo que almeja. Ao meu ver, Wallison tem grandes chances de participar das Paralimpíadas de Paris, mas penso que nos jogos de 2028, em Los Angeles, estará mais maduro.
Adaptação não foi fácil
Antes do acidente, Wallison trabalhava como mecânico e motoboy. Ele conta que uma de suas principais preocupações, logo após o tombo de moto, era como iria trabalhar nos próximos dias:
— Eu tinha fraturado o pé, jamais imaginaria que iria precisar amputá-lo.
De acordo com o atleta, quando ele chegou ao hospital, não havia nenhum profissional disponível para realizar uma cirurgia no local. Ao que tudo indica, por conta do tempo de espera para um procedimento, o pé acabou necrosando, o que acarretou na necessidade de uma amputação.
Ele conta, também, que, primeiramente, apenas o pé foi amputado. Após isso, ele e a família optaram por fazer amputação transtibial — do joelho para baixo —, analisando que a prótese do pé não seria tão funcional. A partir daí, vieram alguns sustos com os valores das próteses adaptadas, que passam de R$ 25 mil.
— Ficamos assustados com os valores, e, depois, quando comecei no atletismo, precisava de uma nova prótese, ainda mais cara, adaptada ao esporte. E parte dela gasta conforme o tempo de uso e o peso sobre ela — conta o atleta.
Wallison relata que, no início, tinha vergonha da situação e ficava preocupado com o que as pessoas iriam falar. Mas aí veio o conselho de sua mãe, Regina Fortes, que ele guarda como um ensinamento:
— Ela me disse a frase: "Se tu não te aceitar, ninguém vai". Isso mudou minha maneira de ver as coisas.
Natação
Com o conselho da mãe, Wallison conseguiu seguir a vida como podia, buscando chegar nos esportes. Por mais que desde a infância tenha chamado atenção pela sua velocidade, o atleta não ingressou logo de cara no atletismo, devido a questões financeiras e de tempo de adaptação.
Por isso, escolheu a natação como modalidade inicial, que ele só deixou de praticar quando rumou ao atletismo, há dois anos e meio. Neste esporte, Wallison também se destacou, conquistando mais de 30 medalhas.
— De certa forma, nós somos meio egoístas, não sabemos o que as pessoas com deficiências físicas passam. E a natação me mostrou isso, me apresentou muita gente incrível, que enfrentou e superou diversos problemas — diz.
Fazer história e ter voz ativa
Muito mais que conquistas materiais como medalhas, troféus e títulos em torneios nacionais e internacionais, o morador de Eldorado quer ter espaço para falar e ser ouvido. Tendo o piloto Ayrton Senna, falecido em 1994, como uma de suas maiores inspirações, Wallison sonha em poder contar histórias de superação e, principalmente, os problemas diversos que pessoas com deficiências físicas enfrentam.
— Para alguém que sofre um acidente e perde uma parte do corpo, quase que do dia para a noite, o esporte é fundamental na sua recuperação. Não precisa disputar grandes competições, apenas o fato de praticar já ajuda muito, até mesmo por conhecer novas pessoas e histórias — considera o atleta.
Wallison tem consciência de que a maioria das pessoas não possui condições financeiras para se adaptar a uma nova vida. Para ele, isso envolve muitas questões, do psicológico ao físico e financeiro. É justamente isso que quer passar a um grande público, para que as pessoas tenham um olhar diferente e possam ajudar:
— Hoje, se tiram a deficiência de mim, acabam com o meu sonho. Mas nem todo mundo pensa da mesma forma, isso que quero mostrar para o máximo de pessoas possível. Quero fazer história assim!
Produção: Leonardo Bender