Passam das 11h e o cheiro de comida já se espalha pela Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Ruth Cardozo, no bairro Universal, em Viamão. Parte das 140 crianças atendidas no espaço já está ansiosa pelo almoço — uma das duas refeições oferecidas para os estudantes, a outra é o café da manhã (ou da tarde, para alunos do turno inverso). Enquanto a labuta segue na cozinha, as paredes do prédio recém-inaugurado vão recebendo adereços juninos, instalados pelas mãos da diretora Flávia Requia.
— Foi uma entrega muito importante para o bairro. Tanto a escola quanto o posto de saúde — pontua Flávia, enquanto cola pipas e bandeirinhas de papel nas paredes da Emei.
A diretora cita a Unidade Básica de Saúde (UBS) Ruth Cardozo, que divide terreno com a creche, como a outra entrega importante para a comunidade do bairro Universal. Quem vê os dois espaços prontos e em uso não imagina a jornada enfrentada pela população até a entrega dos equipamentos. O pontapé inicial dos trabalhos foi em junho de 2016, mas pouco mais de um ano depois, em novembro de 2017, o canteiro estava abandonado.
Antes de integrar o rol de obras mostradas na série de GZH Retratos do Desperdício, a UBS e a Emei estiveram nas páginas da seção Seu Problema É Nosso, ainda em junho de 2018. Na época, a administração municipal projetava retomar os trabalhos e concluir a obra em fevereiro de 2019. Mas, como Retratos do Desperdício mostrou em maio do mesmo ano, isso não aconteceu.
As obras da UBS e da Emei Ruth Cardozo só foram retomadas em fevereiro de 2020 e concluídas perto do fim do ano passado — ainda houve outra breve interrupção nos trabalhos durante a pandemia. Em agosto do ano passado, quando a reportagem visitou a área, os espaços estavam praticamente prontos.
Entretanto, a inauguração, de fato, foi em março deste ano, com a chegada de pacientes para a UBS e dos pequenos estudantes para a Emei. Assim, conclui-se a epopeia das estruturas erguidas às margens da Estrada da Branquinha, no bairro Universal.
As placas instaladas em 2016 prometiam a entrega da creche e do posto de saúde em 10 meses. Entretanto, isso ocorreu somente quase seis anos depois. Esse foi o tempo entre a pedra fundamental e a entrega dos espaços. E este é um dos desafios mais latentes em Retratos do Desperdício, a dificuldade das administrações públicas em cumprirem os prazos de entrega prometidos.
Para quem presenciou o desenrolar dessa jornada, ver as duas obras prontas e disponíveis para uso dos moradores é um alívio. É o caso do estoquista Kleyson Azevedo da Silva, 21 anos, e da atendente Taís Furtado, 31 anos. Os filhos do casal, Henri, três anos, e Maria, um mês, já estão integrados aos locais. Enquanto o mais velho está frequentando a Emei, pai e mãe levaram a recém-nascida para a primeira consulta na UBS, no dia 13 de junho.
— É muito bom ter esses dois lugares perto de casa, viemos caminhando até aqui. Antes, precisávamos pegar ônibus ou carro para ir até o bairro São Tomé, onde tinha uma UBS de referência — recorda Kleyson.
Viamão é a cidade que mais tinha obras paradas entre as 20 acompanhadas pela reportagem desde 2019. Eram seis canteiros inacabados na cidade. Um dos espaços, a creche Tarumã, na vila de mesmo nome, mal havia iniciado os trabalhos. Apenas as fundações estavam presentes no espaço. Hoje, mais de três anos depois, esta é única obra ainda inconclusa entre as seis que Retratos do Desperdício encontrou em 2019. E pela previsão do município, a construção do espaço deve ser concluída em setembro deste ano.
Esperança para as creches da Capital
No lado oposto da conta, a cidade com mais obras paradas até a última atualização de Retratos do Desperdício, em agosto do ano passado, era Porto Alegre. Dos cinco canteiros que a reportagem acompanha na cidade, todos seguiam parados.
É verdade que o cenário não mudou neste ano. O abandono ainda é a nota mais forte nessa orquestra de desperdício de verbas da Capital. São quatro creches e uma quadra esportiva que seguem intocadas pelo poder público, onde no lugar de paredes, cobertura e utilidade, crescem o mato e o vandalismo.
Entretanto, um anúncio da prefeitura da Capital promete reverter esse cenário. E é esta ação que tira as cinco obras de Porto Alegre do estado de completamente paradas e leva para uma expectativa de retomada. Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Smed), uma empresa contratada concluiu "a elaboração de laudos técnicos e de orçamentos das escolas que estavam com sua construção parada na cidade".
Além das quatro escolas infantis citadas em Retratos do Desperdício, outras três também entraram no levantamento. Destas sete, seis devem ser concluídas, apenas uma delas, localizada no bairro Restinga, não terá a obra retomada porque está localizada numa área de preservação ambiental, justificou a Smed.
Panorama mais positivo
Olhando para o panorama geral três anos depois, as 20 obras públicas acompanhadas por GZH começam a pender sua balança para o lado positivo. Pela primeira vez, o número de obras paradas é o menor entre os espaços. Em 2019, quando a série iniciou, todos os canteiros estavam abandonados. Atualmente, nove espaços estão sem equipes trabalhando no local, mas em oito, existe uma expectativa de retomada das obras, conforme planos das prefeituras. Portanto, somente um dos espaços segue sem qualquer previsão de um dia ser retomado.
No lado positivo da balança, oito obras estão prontas e sendo usadas pela população. Entre as entregas, estão postos de saúde, centro de especialidades e, principalmente, creches. Cinco dos locais prontos ficam em Viamão, outros dois em Gravataí e um em Guaíba. Outros três locais estão com obras em andamento, em Viamão, Guaíba e Cachoeirinha. Esses espaços devem ser entregues ainda neste ano, se as previsões dos municípios cumprirem-se.