O Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostrou recentemente que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC), financiou 101 obras que estão inacabadas no Rio Grande do Sul. A maioria, creches do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), afora algumas coberturas de ginásios. Pois os problemas dos gaúchos não se resumem a escolas infantis inacabadas, um fenômeno nacional, aliás (existem cerca de 3 mil obras escolares interrompidas no país).
O Rio Grande do Sul recebeu apenas 1,8% dos empenhos para creches feitos pelo FNDE durante o governo Jair Bolsonaro, conforme levantamento feito pela reportagem de GZH junto ao Portal da Transparência do governo federal.
A análise dos números mostra que o MEC/FNDE fez 17,4 mil empenhos de verbas para escolas infantis no país (empenho é a reserva de uma verba para determinada destinação, que pode se confirmar ou não). A maioria absoluta, para novas obras. Desses 17,4 mil, apenas 321 foram para o Rio Grande do Sul (1,8% do total). Isso evidencia que o Estado não está entre os preferidos para esse tipo de investimento.
O GDI pediu à Confederação Nacional de Municípios (CNM) uma análise sobre esses repasses. O levantamento passa pela gestão de três presidentes do país (Dilma, Temer e Bolsonaro) e se baseia nos chamados Restos a Pagar, que correspondem às despesas que foram empenhadas ou liquidadas durante o ano, mas que não chegaram a ser pagas até o final dele. Eles podem ser processados (quando geraram benefício, ainda que parcialmente) ou não processados (quando são apenas promessa).
No tocante ao programa Proinfância, a CNM localizou 535 empenhos de 2012 (governo Dilma) até 2020 (governo Bolsonaro). Desses, apenas 14 foram para o Rio Grande do Sul (2,6% do total). A título de comparação, o Maranhão ficou com 15,3% das verbas empenhadas (82 empenhos).
Mesmo que sejam levantamentos diferentes (o do GDI abrange todos os empenhos, o da CNM só os Restos a Pagar), o padrão em ambos mostra que o Rio Grande do Sul recebe menos verbas, em se tratando de escolas infantis.
Conforme a CNM, há explicações para isso. O Plano Nacional de Educação determina que 50% das 10 milhões de crianças de zero a três anos existentes no país devem ser atendidas por creches. Hoje, só 37% estão matriculadas e o Rio Grande do Sul está bem colocado nesse item, se comparado com Estados do Norte e Nordeste. A taxa de atendimento desse público entre os gaúchos é de 42%, enquanto no Nordeste, por exemplo, é de 26%.
— A demanda no Sul por novas creches é menor. Então é necessária mais construção de escolas infantis para Nordeste e Norte do que para Sul e Sudeste, cujas redes já são consolidadas — pondera o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
A CNM também fez um levantamento sobre 6,9 mil obras paradas no país desde 2012, das quais 2,6 mil são escolas. Dessas instituições de ensino, 6% ficam na Região Sul, enquanto 54% estão no Nordeste e 25% no Norte. Outro indicativo, ressalta o presidente da CNM, do motivo de o governo federal priorizar verbas para essas regiões. Elas concentram maior necessidade de creches e, também, em paralelo, mais construções abandonadas, por isso necessitam de mais recursos financeiros. A CNM explica que a combinação sobre mais verbas também passa por um pacto com os prefeitos, que podem priorizar creches ou outra demanda.
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) concorda que o Nordeste é priorizado por ser região mais pobre, mas não apenas isso. Conforme Márcio Biasi, assessor da Famurs na área de educação, a priorização das verbas também atende a critérios políticos.
— O Nordeste tem nove Estados e 24 senadores. O Sul tem três Estados e nove senadores. A influência deles para captar verbas é muito maior, isso é matemático. Eles também têm muito mais deputados e os governantes federais sabem que isso significa votos — resume Biasi.
O assessor da Famurs considera difícil mobilizar o Sul para mudar esse quadro, porque a troca de critérios passaria por necessidade de modificar também a representatividade parlamentar de cada Estado. Algo difícil de ser aprovado no Congresso.
O FNDE não comentou a diferença de distribuição de recursos entre as regiões do país.