No meio da madrugada, enquanto os colegas dormiam à espera do horário de se arrumar para a escola, Felipe Staczak já estava em pé. Às 4h, deixava o bairro Estância Velha, em Canoas, e partia para a Ceasa, na zona norte de Porto Alegre. Com apenas 12 anos de idade, vendia verduras, frutas e legumes. O caminho para buscar os produtos, desde a Região Metropolitana até a Capital, era feito sobre o único veículo disponível, responsável por parte do sustento da família: uma carroça.
— Quando chovia, eu me cobria com uma lona. Eu era um piá, passava frio, pensei muitas vezes em desistir — recorda.
Durante quase dois anos, o garoto estabeleceu uma regra: entregava para a mãe 70% dos ganhos e guardava, dentro de uma meia na gaveta do roupeiro, o restante. Dos 30% acumulados, comprou uma pequena churrasqueira de lata, com a qual começou a vender espetinhos na cidade.
— O mais difícil era a vontade de comer a carne. Aquele cheiro e eu com fome. Minha mãe então tirava o couro que não era assado e dava pra mim — complementa, com um sentimento que fica perceptível pela voz.
Nessa mesma época, Felipe estabeleceu um terceiro turno: ia à escola, vendia churrasquinho e cuidava da mãe, diagnosticada com câncer. Os dois irmãos também trabalhavam e, por isso, passavam o dia fora. A doença mostrou ao estudante a relevância de quem dedica a vida a cuidar dos outros. Decidiu, naquele momento, que as economias seriam investidas em um curso técnico de enfermagem.
— Foi tudo pela minha mãe — resume Staczak, mais um na estatística dos abandonados pelo pai.
Formatura, Samu e palestras
Ele passou pelo técnico, venceu a faculdade de Enfermagem e dois cursos de especialização. Em 2022, completou 13 anos como socorrista do Samu de Canoas.
— Sou um profissional extremamente feliz. Faço parte de um time que ama o que faz, faça chuva, faça sol, estamos atendendo com um sorriso no rosto — garante, durante entrevista à Rádio Gaúcha, logo após encerrar um plantão de 12 horas na manhã desta sexta-feira (15).
Hoje com 32 anos de idade, o enfermeiro é casado, tem dois filhos e repassa, orgulhoso, a experiência que adquiriu em palestras em salas de aula, para empresas ou a quem fique dois minutos ao lado dele. O objetivo, ao recontar a trajetória, reitera, é incentivar a gurizada a não abandonar os estudos, seja qual for o obstáculo.
Reconhecimento dos colegas
A origem de poucos recursos não é esquecida: Felipe Staczak diz doar, periodicamente, os brinquedos que não são mais usados pelo casal de crianças gerado com a esposa, além de distribuir roupas e absorventes às meninas da periferia do município.
— É recompensador ver como o Felipe tá hoje. Conheci quando ele começou aqui, estudando e trabalhando. Merece muito — elogia o também socorrista Márcio da Rosa Marins, 43 anos.
— Passamos esse tempo todo juntos, o nosso trabalho é feito com amor, não tem outra palavra — complementa outro colega, Humberto Júlio de Figueiredo, 38.
Dona Maria, acostumada a ver o filho mais novo sair de carroça muito antes do amanhecer, recuperou-se do câncer e acompanha Felipe na nova vida conquistada.
Ouça a entrevista de Felipe Staczak na Rádio Gaúcha: