É no Xis do Magrão que nos sábados, pela manhã, uma meninada se reúne para tomar café da manhã e, depois, partir para o jogo. A lancheria, que fica no bairro Hípica, em Porto Alegre, é do comerciante Adenir Pinheiro Vieira, 51 anos — mais conhecido como Magrão. Ele, junto à família, criou o projeto social Essência, que oferece aulas gratuitas de futebol a crianças e adolescentes. A iniciativa é vinculada à Igreja Batista Brasa.
— O legal é que, através desse instrumento, do futebol, tu pode aplicar uma disciplina para criança, ou para adulto mesmo, que eles vão levar para o resto da vida — destaca Magrão.
Hoje, são duas turmas: uma com alunos de sete a 13 anos e a outra, de 15 a 17 anos. Os jogos ocorrem na quadra aberta de uma praça na Rua Fúlvio Bastos, próximo à lancheria. Em alguns casos, outra, também perto, é utilizada. Além de Magrão, sua esposa, a comerciante e doméstica Gicelda Freitas, 48 anos, e pessoas conhecidas por meio da igreja ou da vizinhança ajudam a tocar a iniciativa.
Na quadra
Circuitos, brincadeiras lúdicas, fundamentos e partidas integram as atividades. Mas caráter, organização, disciplina, respeito à autoridade, responsabilidade, autogoverno, compromisso com a escola e capacidade de lidar com derrotas também estão entre os ensinamentos trabalhados na quadra e fora dela.
Antes das aulas, o ponto de encontro dos participantes é a lancheria, onde fazem um café da manhã. Para além da alimentação, esse é um momento de diálogo e aprendizado.
— A ideia é que todos sentem, tenham aquele tempo de comunhão, conversando, eles têm esse tempinho, porque hoje a gente percebe que essa geração não senta mais na mesa com a família, é difícil — pontua Magrão.
Um projeto em família
Foi a partir da experiência com o filho do casal, Guilherme, que o trabalho iniciou. Hoje, o jovem tem 19 anos e joga na categoria de base da Associação Garibaldi de Esportes, buscando entrar na profissional. Mas, por volta dos sete, o futebol ajudou o garoto a lidar com a questão da timidez, lembra Magrão, que começou a jogar com o filho usando o esporte como forma de inclusão e integração. Pouco a pouco, o comerciante comprou coletes, convidou outros meninos, coordenou campeonatos de bairro e, assim, a iniciativa foi se criando. Gicelda se juntou à dupla levando lanchinhos, conta.
— Eu sempre gostei (de esporte). E para eu não perder o esposo e o filho para os jogos, porque eles iam para o campo, eu também comecei a ir — brinca ela.
Por volta de 2014, uma igreja no bairro Restinga ficou sabendo do trabalho e convidou o casal para desenvolver a atividade na região. A iniciativa ficou conhecida como Gol da Vida. No ano passado, os dois decidiram iniciar um projeto parecido no Hípica, com um novo nome: Essência. A inspiração é bíblica, pensando na essência como um bom perfume que se espalha e vai envolvendo, justifica Magrão.
Diversão com os amigos
O sonho de virar jogador de futebol passa pela cabeça de alguns dos meninos que jogam no projeto e, inclusive, do Pedro Monteblanco da Silva, 12 anos. Morador da Restinga, ele já esteve em outras escolinhas, participou do Gol da Vida e, depois, entrou no Essência.
— Acho muito legal eu fazer amigos, vir jogar, me divertir com eles, ficar do lado deles, ainda mais fazendo o que eu mais gosto de fazer que é jogar futebol — esclarece o menino.
O pai, o consultor de vendas Paulo Cesar Oliveira da Silva, vê o reflexo no dia a dia:
— Eles conseguem, através do esporte, agregar amizade, saber perder, saber ganhar, saber que, no esporte, o mais importante é todos participarem, não é a vitória. Isso aí reflete na vida dele, diretamente na personalidade dele.
Chance de jogar
O impacto no comportamento é também notado pela babá Tainara Barbosa Postiglione, mãe de Matheus Postiglione Knevitz Barros, oito anos. O menino enfrentou uma doença que afeta a circulação de sangue no fêmur, causando dificuldade para andar e dor. Ele conseguiu se recuperar e teve liberação do médico para fazer exercícios físicos. Quando Tainara soube do projeto Essência, viu uma oportunidade:
— Aí eu me interessei, porque não tinha como pagar uma escola para o Matheus. E o médico tinha liberado ele, porque ele estava curado 100%. O sonho dele era jogar.
Matheus começou a participar no ano passado e, desde então, diz que está evoluindo:
— Eu era ruim e daí eu comecei a jogar bem, virei o capitão do time, virei zagueiro, porque eu era atacante antes, eu não conseguia fazer gol, aí eu tirava as bolas.
Mantido com recursos dos idealizadores e doações, o projeto aceita alimentos para o café da manhã (como achocolatado, pães, sucos, margarina e doce de leite) e para o almoço (que é oferecido a alguns dos meninos), assim como coletes e bolas. O desejo de Magrão é conseguir um espaço com melhor estrutura para as aulas, que têm os dias de chuva como obstáculo. Para ajudar, o contato pode ser feito pelo telefone (51) 99667-7122.
Produção: Isadora Garcia